A decisão de adotar um cão deve ser sempre muito ponderada e nunca tomada de ânimo leve, ou num impulso momentâneo. Por vezes somos levados a decidir a adoção porque nos deparamos com uma fotografia repleta de doçura, nas redes sociais, ou porque nos derretemos com a amorosa ninhada de cachorros de um cadela de uns amigos, ou ainda porque um dos nossos filhos implora, até à exaustão, o alargamento da família a um amigo de quatro patas. E por qualquer destes, ou de outros motivos, cedemos, de forma irrefletida. Não avaliamos convenientemente o que efetivamente significa adotar um animal, se estamos dispostos a mudar o nosso estilo de vida, em prol de um novo membro da família, se temos espaço para o receber, se lhe podemos satisfazer as necessidades físicas e cognitivas, se dispomos de vontade para acrescentar mais tarefas aos já intermináveis afazeres diários. Adotar um animal significa responsabilizarmo-nos por ele enquanto viver, proporcionar-lhe alimentação, diversão, cuidados de saúde e um lugar efetivo e afetivo no seio familiar. Significa respeitar a espécie a que pertence e oferecer-lhe os meios necessários para que todos os comportamentos normais se possam expressar.
Assim sendo, quando tomar a decisão de adotar um cão, reserve algum tempo para refletir nos seguintes aspetos:
– Tenho espaço físico suficiente, sem prejuízo das minhas próprias necessidades?
-Tenho disponibilidade para lhe proporcionar passeios prolongados, diariamente, e tempo de interação lúdica, ou tenho alguém na família que o faça?
– Estou consciente que todas as rotinas vão mudar e não me importo que isso aconteça?
– Compreendo que possa haver alguns estragos na mobília, em objetos de uso pessoal ou até no próprio imóvel e estou disposto a repor estes estragos?
– Tenho disponibilidade económica para lhe proporcionar uma alimentação adequada e cuidados médicos sempre que necessário?
– Tenho forma de resolver o problema das férias, sem prejuízo das mesmas, mas também sem prejuízo do animal?
– Estou disposto a incluir o cão em todas as atividades familiares nas quais possa participar?
– Estou disposto a informar-me e a aprender tudo o que seja necessário para me tornar um bom tutor?
Se respondeu que sim a estas questões, então, muito provavelmente está pronto para aumentar a sua família. A partir daqui resta escolher o tipo, o tamanho e a origem do cão. Um cão de grande porte, ou pelo contrário, de porte pequeno? De raça pura ou sem raça definida? Cachorro, adulto ou sénior? De proveniência particular, de canil de criação ou de canil de recolha de abandonados? De pelo curto, médio ou longo? Decisão tomada, animal escolhido, resta tentar proporcionar-lhe uma adaptação ao seu novo lar, o menos traumatizante possível.
Aqui ficam algumas dicas que podem ajudar nesta fase de adaptação para todos: família humana e cachorro
1- Se possível, visite o cachorro antes da adoção, observe as suas preferências, interaja com ele, sempre de forma calma e sem elevar a voz. Atitudes calmas, acalmam um cachorro demasiado excitado e descontrolado. Se, pelo contrário, for um cachorro demasiado tímido, resista à tentação de o agarrar à força, respeite o seu espaço, aborde-o com delicadeza, espere que seja ele a vir ter consigo, oferecendo-lhe um prémio delicioso ou um brinquedo irresistível. Observe a atitude da mãe, verifique se reage bem a humanos, se tem estado em contacto com os cachorros e se parece bem de saúde. Deixe ficar com o cachorro uma manta ou toalha macia, assim como um brinquedo, que virão de volta no dia em que o for buscar.
2 – Agende o dia da adoção para uma altura em que possa ficar em casa, por forma a ter disponibilidade para, calmamente, o ajudar a se adaptar a uma nova realidade, longe de tudo o que conheceu até então, sem o odor e o calor materno, sem a alegria das intermináveis brincadeiras com os irmãos. Por outro lado, se foi um animal abandonado, poderá estar muito traumatizado, desconfiado, inseguro e muito receoso. Será necessário adaptar a nossa estratégia ao tipo de animal que vamos levar para casa.
3 – Transporte-o devidamente acondicionado em caixa de transporte adequada ao seu tamanho, mas sem ser demasiado grande, para não permitir instabilidade e quedas. Prenda-a com o cinto de segurança de passageiros. Coloque na caixa a manta ou toalha e brinquedo que previamente deixou com o cachorro, para adquirir um odor familiar. Em alternativa, prenda-o com um cinto de segurança próprio para cães, no banco traseiro, com alguém ao seu lado para lhe dar conforto e estabilidade. Evite reforçar os comportamento indesejados e se o animal se mostrar ansioso redirecione a sua atenção para algo que o distraia (como um brinquedo, por exemplo). Premeie com carícias e palavras de incentivo os momentos em que este estiver relaxado. Conduza devagar, curvas suaves, sem travagens bruscas, não se esquecendo de arejar o interior da cabine. Muitos cachorros enjoam em viagens e alguns chegam a vomitar. Antes de sair dê-lhe apenas uma refeição ligeira e, se necessário, fale com o veterinário assistente para lhe ser prescrito um antiemético. Muitos cães adultos com medo de andar de carro desenvolveram este comportamento por associarem o carro com o enjoo. De qualquer forma, leve consigo sempre papel absorvente ou toalha para evitar que um vómito volumoso e indesejável suje os estofos do veículo.
4 – Ao chegar a casa, evite bombardear o cachorro com experiências novas. Reserve-lhe um local sossegado, com um sitio onde se possa esconder e permita-lhe uma adaptação gradual ao espaço. Espere que seja ele a vir ter consigo e permeie quando isso acontecer, se o fizer de forma calma e controlada. Incentive-o a brincar, mas sempre no seu próprio ritmo, sem excessos e sem o forçar a nada. Se se esconder e se mostrar assustado, dê-lhe tempo e espaço para se ambientar e tente atrai-lo a si de forma calma, elogiando os pequenos progressos, com prémios comestíveis ou palavras de incentivo. Se, pelo contrário, for demasiado efusivo, não retribua o entusiasmo, fale sempre em tom baixo e pausadamente, retomando a brincadeira só quando o animal se acalmou.
5 – Nesta fase de adaptação convém disponibilizar ao cachorro a mesma alimentação a que ele está habituado para gradualmente ir mudando para a escolhida pela família, levando em conta o tamanho e idade do mesmo, assim como o orçamento familiar. Se possível traga consigo um pouco da dieta que lhe era disponibilizada no local de origem e vá misturando com a nova, aumentando gradualmente a quantidade da nova e diminuindo a quantidade da outra. Se possível aconselhe-se com um profissional sobre as melhores opções, antes mesmo da chegada do animal.
6 – A primeira noite na nova casa pode ser traumatizante para o cachorro assim como para a família. Deve ser decidido em consenso familiar onde o cão irá dormir e depois de tomada a decisão, esta deve ser respeitada, sem exceção. Não pode ceder, porque é a primeira noite ou porque ainda é muito bebé, levando-o para o quarto, ou dormindo com ele na sala. Depois será muito mais difícil isolá-lo nos dias seguintes. Também não há problema se a sua decisão for a de o deixar dormir no quarto dos adultos ou mesmo das crianças. Simplesmente não deve haver vezes que sim e outras que não. Mantenha-se firme na sua decisão, apesar de poder utilizar alguns truques para que o cachorro se sinta mais confortável e tenha uma boa noite de sono, tais como um snack ou uma refeição ligeira e colocar um saco de água quente sob a manta que trouxe, na caminha onde o deita (há quem defenda a colocação de um despertador antigo, daqueles que fazem tic-tac, embrulhado numa toalha, junto do cachorro, pretendendo simular o batimento cardíaco da mãe… não custa experimentar). Por se sentir só, irá, muito provavelmente, vocalizar, para atrair companhia. E é exatamente nestes momentos que não o deve visitar. Logicamente, a sua tentativa será a de o acalmar, mas ele entenderá que foi bem sucedido no seu ruidoso apelo e portanto manterá este comportamento sempre que quiser companhia. Certamente com vizinhos por perto e não querendo queixas desagradáveis, será difícil resistir á tentação de interromper o choro noturno do novo membro da família. Mas se o fizer estará simplesmente a potenciar tal comportamento e na noite seguinte será provavelmente pior. Se se sentir apreensivo quanto à segurança do cachorro, pode visitá-lo, mas sempre e só quando este estiver sossegado. Desta forma ele entenderá que o comportamento que condiciona a presença de companhia é exatamente oposto à vocalização ou o arranhar a porta. Se se mantiver calmo e sossegado, algo de bom acontece. Se estiver agitado e ruidoso, nada acontece.
7 – Programe uma ida ao veterinário nos dias a seguir à adoção, para esclarecer todas as duvidas relativamente ao comportamento e aprendizagens do cachorro e estabelecer um programa de desparasitações e de vacinas, adequado ao local onde vive e à idade do cão e que permita as saídas à rua o mais precocemente possível. Informe-se sobre escolas de treino e se existem nas imediações as puppy classes, ou seja, escolas ou associações que promovem aulas para cachorros, muito importantes, se bem organizadas e vigiadas, para a socialização do cão. Cuidado com a escola ou treinador que escolhe. Como em Portugal esta atividade ainda não tem uma entidade superior que a supervisione e regulamente, qualquer pessoa com um simples curso online pode intitular-se de treinador e, no entanto, não dominar os mais modernos métodos de treino. Um mau profissional pode prejudicar muito a relação humano/animal, em qualquer fase da vida do seu cão, mas nesta em especial. Aconselhe-se com o seu veterinário, fale com amigos, mas sobretudo aprecie de forma crítica o trabalho do treinador e, sobretudo, desconfie de aulas em que não é permitido ao tutor estar presente. De pouco interessa que o cão trabalhe muito bem com o treinador. É com o tutor que deve trabalhar desde o inicio e durante toda a sua vida.
8 – Enquanto o cachorro não terminar o programa vacinal prescrito pelo veterinário assistente, promova encontros com amigos e familiares que tenham cães vacinados, para contribuir também desta forma para a sua socialização. Não o feche em casa. A fase de sociabilização acontece muito precocemente na vida do cão e quando ele estiver suficientemente imunizado para puder passear livremente, já esta terminou. Como resultado temos cães adultos com medos e fobias de tudo o que seja novo. Portanto, tente encontrar um meio termo entre o “não dever sair” por causa das doenças físicas e o “ter que socializar”. Leve-o a todo o lado em que o risco seja mínimo. Transporte-o de carro quando for levar ou buscar crianças à escola, visite amigos com jardim fechado e deixe-o correr e brincar, se for de pequeno porte passeie-o ao colo, para sentir odores, ouvir sons e ver todo o bulício normal de uma cidade. Se for um cachorro de grande porte poderá sempre recorrer a um carrinho de bebé que tenha disponível, mas não deixe de o estimular e passear.
9 – Habitue o cachorro, desde cedo, a ficar sozinho por alguns períodos. Logicamente, se forem períodos prolongados ele irá sentir-se aborrecido e procurar formas de ocupar tempo. Ofereça-lhe brinquedos indestrutíveis de formas e tamanhos variados. Mas não adianta ter um grande numero de brinquedos permanentemente à disposição. O cão acaba por se desinteressar. O mais sensato será ter 2 conjuntos, ou mais, e ir fazendo rotação. Mas, mesmo assim, pode sempre improvisar e proporcionar novas experiencias cognitivas, que o deixem ocupado, poupando assim o recheio da casa. É só dar asas à imaginação. Uma caixa de ovos fechada com pedaços de maçã no seu interior, uma garrafa de água com alguns buracos do tamanho dos grãos de ração, parcialmente cheia com uma parte da porção diária (terá que rodar a garrafa para permitir a saída dos grãos, um a um), cubos de gelo simples ou feitos a partir da água de cozedura de alguns alimentos, comida húmida congelada, cenouras inteiras (como não digerem bem a cenoura, esta irá aparecer em bocados nas fezes, mas sem causar qualquer distúrbio de saúde) são apenas alguns exemplos. Nunca ofereça ao cachorro um dos seus chinelos velhos. Logicamente, ele não saberá a diferença entre os novos e aquele que já não usa, uma vez que o odor é semelhante.
10 – Até aos 6 meses de idade, tente manter a rotina de 4 refeições diárias, mas não deixando o alimento à disposição por mais do que meia hora. Ao fim desse tempo retire o prato, quer o cão tenha comido ou não. Nunca lhe dê o alimento à boca, nem ande atrás dele com o prato, insistindo para que coma. A única coisa que conseguirá com essa atitude é que este só coma se lhe estiverem a dar atenção. Se não comer uma das refeições, comerá na seguinte. Nenhum cão saudável morrerá à fome tendo alimento à disposição. Se o cachorro não for muito voraz, não se preocupe com a quantidade que come na fase de crescimento. Interessa é que seja bem disposto, brincalhão e com boa condição corporal, sem exageros. Depois de terminado o crescimento e sobretudo se for esterilizado, deverá verificar qual a dose diária recomendada e seguir essa orientação. Dos 6 aos 9 meses poderá reduzir para 3 o número de refeições e a partir daqui poderá passar para 2, pelo menos. Duas será também o número de refeições mínimas, divididas a partir da dose diária recomendada, a manter para toda a vida adulta. Nunca dê uma única refeição diária. Alguns problemas de saúde poderão advir daí. Não esqueça que há alimentos completamente proibidos, devido à sua toxicidade para a fisiologia canina. É o caso do chocolate, assim como do picante. Uvas, passas, cebola e alho estão também entre os alimentos tóxicos.
11— Fale com o cão sempre em tom baixo e pausado. Tutores que gritam e se mostram agitados e impacientes, educam cães hiperativos, descontrolados e frustrados. Seja claro nos comandos que dá ao animal, com regras fixas que não podem ser mudadas repentinamente só porque dá jeito. Premeie os comportamentos que quer manter e ignore os que quer eliminar. Não permita brincadeiras que envolvam mordiscar partes do corpo e quando o cachorro o faz, pare de se mexer, ignore completamento o comportamento e o próprio cão. Só recomeçará a brincadeira quando este desistir de abocanhar. Não lhe ralhe ou agite as mãos em frente à sua cabeça. Só o deixará mais excitado e insistente. Se for daqueles que não desistem, ofereça-lhe uma alternativa que ele possa mordiscar.
Espero que todas estas 11 dicas contribuam, de alguma forma, para uma adoção saudável e bem sucedida. Sem duvida que aquilo que retiramos de uma relação com qualquer ser vivo pode ser muito positivo e gratificante. Como em todas as relações há pontos positivos, mas também alguns negativos. Estamos sempre na espectativa de receber afetos, mas deveremos também estar preparados para os retribuir. Disfrute da companhia do seu cão, durante muitos anos, de forma cúmplice e compensadora ao nível afetivo, com respeito mútuo.
Até para o próximo mês.