Esta é uma pergunta recorrente. Em particular, quando acontecem crises alimentares que põem em causa os nossos hábitos mais ancestrais, como a que se viveu nestes dias com a divulgação do relatório do IARC/OMS sobre a relação entre as carnes processadas e o cancro colorretal.
A carne processada, em particular os enchidos à base de porco, fazem parte da tradição mediterrânica mais antiga e dos hábitos alimentares desta região onde nunca existiu carne em abundância e onde a temperatura favoreceu o consumo de carnes de porco desidratadas à base de sal e fumo. A escassez de proteína fez o resto e transformou estes conservados em referências culturais de toda uma população. Que agora parecem ter sido postas em causa.
Contudo, a Roda dos Alimentos, o icónico guia alimentar português e referência a nível internacional, recomenda desde 1977 porções de alimentos a consumir relativamente estáveis. Ou seja, sugere consumir azeite como principal gordura, não ultrapassar os 135g de carne, peixe ou ovos por dia (uma refeição), consumir pelo menos 400 g de frutos e hortícolas diariamente, preferir leite e derivados magros ou com pouca gordura, evitar bebidas alcoólicas e produtos açucarados. E variar muito dentro de cada grupo de alimentos. A Roda dos Alimentos não sugere o consumo de refrigerantes, chocolates, bolos ou carnes processadas, nem os integra nos alimentos a consumir diariamente. Qual a surpresa então?
O que está a acontecer é que alimentação ganhou uma centralidade enorme nas nossas vidas. Essencialmente por causa da saúde. E quanto mais se investiga e se conhece, mais se percebe a sua importância. Muito mais do que pensávamos no passado. No caso português, e tendo em atenção um relatório publicada recentemente, a alimentação inadequada é o principal responsável pelos anos de vida saudável perdidos pelos portugueses, à frente do tabaco, álcool ou hipertensão, por ex. Os hábitos alimentares inadequados representavam 12% nas mulheres e quase 16% nos homens, do total de anos de vida prematuramente perdidos por incapacidade.
Por ser uma importante questão económica e social, investiga-se muito nesta área. Nunca se publicou tanto sobre nutrição como nos dias que correm. Se pesquisarmos a palavra “nutrição” na Biblioteca Nacional de Medicina Norte Americana, encontramos registadas, apenas no ano de 2014, uma média de 76 novas publicações por dia. Quase o dobro do que se publicava em 2010. Muita dessa investigação é patrocinada por quem produz alimentos, interessados em conhecer e promover determinados atributos nutricionais. Outro tanto, por cientistas interessados em esticar as conclusões e replicar financiamentos. Daqui resulta uma cacofonia informativa, feita da publicação de muitos milhares de estudos de qualidade irregular, a partir dos quais se constrói o conhecimento, mas que isoladamente não permitem tirar conclusões definitivas para a população seguir. Estes estudos parcelares, difundidos muitas vezes sem filtro e à luz de interesses comerciais e de agências de comunicação, originam uma enorme diversidade de conclusões e, em paralelo, uma grande ansiedade nos cidadãos.
Daí a importâncias das “ilhas de bom senso”, como o IARC, a OMS ou até a nossa DGS, que depois de selecionarem a evidência mais relevante publicam regularmente estes relatórios ou monografias de consenso que vale a pena ler e divulgar.
Os nutricionistas estão sempre a mudar de opinião? Sim, bastantes vezes, porque a ciência avança. Mas muito menos do que se comunica, porque as regras básicas para uma alimentação saudável estão, felizmente, estáveis há algum tempo.