Há uns anos, comecei a perguntar aos amigos “O que é para ti o erotismo? Dá-me exemplos…”, e recebi algumas respostas. “Um sussurro ao ouvido, quase toca sem tocar”, “O movimento do cruzar de pernas de uma mulher, tem que ser lento, e a perna que cruza deve passar muito próximo da outra, que se inclina ligeiramente”, “Uma camisa de seda cujo decote a torna ainda mais seda”, ou “Erotismo, é acordar num sótão de madeira com cheiro a maçãs”, para citar alguns exemplos. Os investigadores da sexualidade não reconhecem o conceito porque não o conseguem operacionalizar. São os poetas, os escritores, os filósofos e os artistas, que sabem falar sobre este conceito fundamental da natureza humana e central à sexualidade. Georges Bataille, diz que um homem que ignora o erotismo é tão estranho quanto um homem sem experiência interior. Octávio Paz, escritor Mexicano, poeta e Nobel da Literatura, diz que o erotismo é a poética do corpo, o testemunho dos sentidos. Como um poema, não é linear, serpenteia sobre si mesmo, mostra-nos o que não vemos com os nossos olhos, mas com os olhos da nossa alma. Erotismo, é aquilo que a imaginação acrescenta à natureza (in, A Chama Dupla, Octavio Paz, 1993).
Na minha práctica clínica, há dezanove anos que ouço narrativas de vida de homens e mulheres com dificuldades sexuais e perturbados com isso, entre elas, a falta de desejo. Principalmente mulheres, verdade seja dita. Nunca me apetece, estou desinteressada, mas quero a minha sexualidade de volta, são expressões frequentes da ausência do desejo. E do erotismo. E que relação há entre eles? Na minha opinião, o erotismo é tudo aquilo que é capaz de acordar o desejo e de nos predispor para a actividade sexual. E ao longo da vida, com base nas nossas vivências, vamos formando património erótico. Uma espécie de Ficheiros Eróticos, onde guardamos memórias, imagens, cheiros, sensações, mas também fantasias, mais ou menos ficcionadas, umas para serem concretizadas, outras nem pensar. E é assim, ficheiros eróticos mais ricos, ou mais vazios. O que observamos é que, a um maior património erótico, corresponde uma melhor sexualidade. Melhor para cada um, seja lá isso o que for, estamos no reino da diversidade. E o Erotismo é como as impressões digitais, cada um tem o seu, aliás, o princípio deste texto mostra-nos isso.
Este tema sempre me intrigou, porque é intrínseco à natureza humana e à sexualidade. Por isso, tenho-o observado atentamente, não só como investigadora, mas como terapeuta. O que é que pode mobilizar o nosso desejo? O Erotismo é antes de mais individual, mas se tentarmos identificar as suas componentes, eu arriscaria afirmar quatro principais: a imaginação, o sensorial, a novidade, e o interdicto ou transgressão. As experiências imaginárias são importantes no erotismo. A imaginação é um palco onde ensaiamos, e esses ensaios são um combustível para o desejo. Esther Perel, uma psicoterapeuta que admiro particularmente, fala de inteligência erótica, e diz que os ingredientes são o mistério, a curiosidade, novidade mas, o ingrediente central é a imaginação. Concordo em absoluto. O sensorial inclui os cinco sentidos, por onde percepcionamos o mundo, e depois atribuímos significados (com o nosso aparelho cognitivo, a nossa mente). Zonas erógenas? Dois metros quadrados de pele, mais ou menos. Esse grande órgão extraordinário que aquece e arrefece, acolhe e se arrepia, vibrante, sensível ao toque de outra pele. Mas há muito mais. Determinados cheiros, sons, ou imagens, podem constituir estímulos sensoriais com enorme potencial erótico. Sobretudo o olfacto, o sentido mais primitivo e fundamental na experiência sexual. Infelizmente, o mais negligenciado.
Ele vem. Cheira bem a cigarro inglês, a perfume caro, cheira a mel, à força a sua pele apanhou o cheiro da seda, desejo-o. Digo-lhe este desejo dele.
In, O Amante, Marguerite Duras, 1984
Para além desses, a novidade e a transgressão são também mobilizadores do desejo. A surpresa, o inesperado, o mistério, o sair da rotina, tal como a transgressão, o que é proibido, escondido e implica correr riscos, são elementos de enorme potencial erótico.
No contexto actual de transformações sociais, o erotismo está ameaçado. E as ameaças são de vária ordem. Em primeiro lugar, a banalização do sexo. Vivemos tempos de hipervalorização da imagem, a vida é no ecrã. Passamos do ecrã do computador para o ecrã da televisão, do iPhone, iPad, ou tablets. É a força da imagem e da informação, no contexto moderno do imediatismo. Tudo é imediato, queremos para já, agora. Sempre online, sempre ligados, mas, cada vez mais desligados do corpo. Somos cada vez mais analíticos e cerebrais e menos sensoriais (a vida faz-se longe da natureza). E o erotismo e o sexo acontecem no corpo, é preciso sentir no corpo. De novo Octávio Paz, a dizer que o capitalismo dessacralizou o corpo e transformou-o num instrumento de marketing.
Por tudo isto, eu venho em defesa do erotismo. Também porque ele está a ficar esmagado pela pressa, pelo cansaço da vida vertiginosa das pessoas nas grandes cidades. Por não haver tempo para sentir. Defendo a possibilidade de estar e ser o corpo, e existir mais nas sensações. Porque a análise e o controlo espantam o desejo.