1. Bom senso, tolerância, equilíbrio, capacidade de diálogo – parecem-me ser sempre, e ainda mais neste momento, muito importantes para o exercício e a defesa da democracia. Depois, claro, do intransigente integral respeito pela liberdade e pelos direitos humanos. E de par com a transparência, a seriedade em todos os campos e sob todos os ângulos, o que pressupõe o combate aos clientelismos de qualquer espécie, em particular os partidários. No conjunto, aquilo a que sempre chamei “a ética na política”. Pela qual – e por outro indeclinável direito humano que é o “direito à esperança” – sempre me bati, mormente ao ser o primeiro, em 1984/5, a escrever sobre, a teorizar, a necessidade da criação de uma força cívica que, plural dentro de um bem definido mas alargado quadro ideológico, tivesse como objetivo essencial lutar por tais valores e objetivos.
E uma razão decisiva para a sua constituição foi um estudo de opinião mostrar que grande parte dos portugueses já não confiava na democracia: não só não havia alternativa, como não havia sequer possibilidade de alternância, pois PS e PSD eram governo (o bloco central).
Ora eu sinto que hoje, no referente àquela confiança, a situação é ou tende a ser semelhante, o que não se pode ignorar e tem de ser combatido. Em relação a 1985 há, de positivo, uma diferença: a possibilidade de alternância/alternativa. Porque hoje as diferenças entre os dois partidos são mais notórias do que naquela altura, e porque o PSD está no Governo e o PS na oposição. Mas há, de negativo, um partido extremista, o Chega, que constitui uma ameaça à democracia.
2. E aqui temos um grande “problema”: o resultado mais provável das próximas legislativas é que nem se o partido mais votado for o PS fará maioria (com BE, PCP, Livre e PAN), nem se for o PSD a fará (com IL e CDS). Assim, se o PSD mantiver o “não” em relação ao Chega – e se o não mantiver sofrerá as consequências… – a única maioria de governo possível será PS-PSD. Hipótese até agora fortemente rejeitada por todos, com argumentos de peso. Um dos quais é tal solução beneficiar a prazo os extremos perigosos – hoje, de facto, só o Chega.
Então, quid juris? Não sei. Sei é que: a) não se devem usar argumentos antigos para realidades novas; b) é normal em muitos países, em situação semelhante, os dois maiores partidos entenderem-se, como agora na Alemanha; c) para isso se poder verificar, PS e PSD têm de mudar muito a forma de se relacionarem. E sei, principalmente, que PS e PSD têm uma enorme responsabilidade na defesa da Constituição e do regime democrático. Também por isso, e para isso, comecei por referir a necessidade de bom senso, tolerância, equilíbrio, capacidade de diálogo…
3. Isto dito, espero que na campanha eleitoral haja um debate sério dos problemas mais prementes do País. E sem a condenável agressividade, a batota e os golpes que vêm sendo prática sobretudo de André Ventura. Neste particular a responsabilidade, em geral, é também ou sobretudo do jornalismo e de jornalistas, como já aqui sublinhei.
Não vale a pena é discutir a responsabilidade pela queda do Governo: ela é do próprio Governo. Porque o PS desde o programa de Governo sempre o viabilizou, mas sempre afirmando que não o faria em relação a uma moção de confiança (onde alguma vez se viu o maior partido da oposição fazê-lo?…). Moção que o Governo apresentou – e não retirou, mesmo quando, na sessão em que foi votada, ia “inventando” propostas para dar a ideia de que a culpa era do PS…
Deixando de lado coisas tão condenáveis como as declarações do presidente do Parlamento, o avesso do que lhe competia fazer, subsistem problemas, questões e dúvidas relativas ao primeiro-ministro. Mas volto a salientar que não está em causa “corrupção”. E é inqualificável que o Chega tenha feito um cartaz com essa palavra/acusação, as fotos de Luís Montenegro e José Sócrates. Se ainda não o fez, o PSD devia de imediato fazer uma queixa à CNE e requerer a retirada do cartaz. E Montenegro avançar com uma queixa-crime contra os seus responsáveis.
À Margem
… E a responsabilidade dos jornalistas
O esclarecimento ou não dos portugueses durante a campanha eleitoral, se depende em primeira mão dos políticos que a protagonizam, depende muito também da qualidade da cobertura jornalística. Que tem sido boa, por exemplo, na rádio pública, na Antena 1, e menos boa ou deficiente em outros média.
Mas sobretudo nas entrevistas aos líderes partidários e aos debates entre eles, o que mais influirá nas opções dos eleitores, o mais importante são as televisões. Ora, em eleições anteriores o panorama foi em geral deficiente, quando não deplorável. Espera-se que desta vez isso não aconteça.
No entanto, já a entrevista da RTP1, no dia 17, a Pedro Nuno Santos foi muito mal conduzida, mormente por incidir a maior parte do tempo no mesmo de sempre, no que é mais do que claro, indo até coisas tão absurdas como, a propósito dos problemas com a empresa “familiar” criada por Montenegro em 2021, questionar o líder do PS sobre a empresa – com décadas de existência, dimensão e (dizem) prestígio no setor – de que o pai é um dos sócios.