Em Março passado, Jeroen Dijsselbloem, o ainda presidente do Eurogrupo, decidiu, numa entrevista rasgadinha que deu a um jornal alemão, afirmar que os povos do Sul da Europa – leia-se Portugal, Itália, Espanha e Grécia – possuem um talento especial para torrar dinheiro “em bebida e em mulheres”. Razão pela qual, acrescentou o ilustre Dijsselbloem, estariam longe de merecer a caridade, perdão, a solidariedade dos seus parceiros europeus.
Passados apenas oito meses, o mesmo Dijsselbloem prepara-se para passar a um português a liderança do grupo que agrega os ministros das Finanças da zona Euro. Aqui chegados, das duas uma: ou o político holandês estava enganado na análise e afinal os PIGS não são tão PIGS quanto isso, ou estava inteiramente certo e, nesse caso, Mário Centeno acaba de provar ao mundo que a receita secreta para trepar na hierarquia europeia está no bordel; não no Excel.
Por questões de salubridade, escolho acreditar na primeira hipótese, embora a segunda seja bem mais divertida. Centeno, há que reconhecê-lo, é a cara de uma estratégia governativa que conduziu Portugal a dados macro-económicos históricos. Falo de números, não de opiniões. Exemplos? O défice deste ano estará abaixo de 1,5% do PIB. A economia crescerá perto de 2,5% (o Governo prevê 2,6%; o FMI fala em 2,5%). O desemprego atingiu o seu valor mais baixo desde 2008 (8,5%). E o emprego cresceu perto de 4% em relação ao final de 2015. Pelo caminho, Portugal saiu do Procedimento por Défice Excessivo e viu a Standards & Poor retirar o país do nível de lixo. Tudo isto com dois partidos de extrema-esquerda como parceiros de governação.
Sim, é verdade que a dívida pública está em valores proibitivos. Claro, Centeno recorreu a chico-espertices orçamentais, como as cativações, que ajudam a pintar um quadro macro-económico mais sensual. E sim, é um facto que, ao contrário do que é o discurso oficial do Governo, nunca se pagaram tantos impostos em Portugal. Mas também não é mentira que a dívida pública herdada por Costa já era obscena, que as cativações são um clássico da política orçamental, não tendo sido inventadas por Mário Centeno, e que, por fim, a obsessão fiscal não é um exclusivo da dupla Costa/Centeno. Lembremo-nos do “enoooooooooorme aumento de impostos” anunciado por Vítor Gaspar durante uma divertida, embora sonolenta, conferência de imprensa.
A eleição de Mário Centeno é, pois, uma vitória do ministro das Finanças e uma conquista política de António Costa, um Primeiro-Ministro muitas vezes arrogante e insensível mas que se está a revelar um diplomata de eleição. Uma vez mais, não se trata de uma opinião. Falo de factos. Com o seu apoio nos bastidores, Guterres foi eleito secretário-geral da ONU. Centeno vai liderar o Eurogrupo. E, realização das realizações, conseguiu fazer aprovar 3 (três!) Orçamentos do Estado com o apoio de dois partidos que desprezam a União Europeia, as regras da União Europeia e, suspeito que lá bem no fundinho, as virtudes da democracia liberal – mas isto é só uma opinião.
Se Centeno e Costa saem reforçados, a eleição do ministro das Finanças é mais uma machadada em Passos Coelho. Vale ao ainda líder do PSD o facto de, dado o seu estado comatoso, já nada sentir. Também Assunção Cristas acrescenta mais uma à sua já respeitável colecção de nódoas negras. E agora, onde fica o discurso da “irresponsabilidade” dos “radicais de esquerda” que nos conduziriam ao caos? Felizmente para o CDS, Assunção possui o talento que manifestamente faltou a Passos Coelho para, depois de vencer as legislativas (já ninguém se recorda, mas o PSD ganhou as eleições), sobreviver ao seu próprio partido.
Quanto ao Bloco e ao PCP, pode dar-se o caso de a partir de agora ouvirmos mais vezes do que é habitual a camarada Mortágua a vociferar robustos “agarrem-me senão fujo”, ou o proletário Jerónimo, de punho direito em riste, a fustigar pela enésima vez o grande capital. Mas no essencial nada mudará. Motivo? O facto de ambos saberem que o primeiro a provocar uma crise será o candidato número um à bebedeira política nas próximas legislativas.