A literatura de viagem em Portugal tem n’ “As ilhas desconhecidas”, de Raúl Brandão, uma das suas obras-primas. O livro surge na sequência de uma viagem, feita pelo autor em 1924, aos Açores e à Madeira. Inebriado com a “luz dos Açores”, Brandão descreve-nos a beleza extraordinária destas ilhas moldadas por vulcões.

Desta vez, visitaremos o Grupo Central, cujas ilhas próximas suscitaram ao escritor a exclamação “tenho diante de mim um espetáculo único, quatro ilhas saindo do mar ao mesmo tempo”. Hoje cabe a vez à Terceira, onde “quando vem o tempo do incenso dar flor, toda a ilha fica tão perfumada que se não pode dormir”; à Graciosa, “dum verde muito tenro acabando dum lado e do outro em penhascos decorativos”; e ao Pico, “cone (…) aguçado até ao céu, transparente como se fosse de cristal”.

O nosso olhar sobre as ilhas Terceira, Graciosa e Pico tentará desvendar a beleza destas três ilhas então “desconhecidas”, explicando-a numa perspetiva geoturística. E quem melhor do que um geólogo, o Professor Francisco Cota Rodrigues, para nos acompanhar e orientar nesta nossa viagem por uma terra onde, continuando as palavras de Brandão “vão transformar-se nossos olhos”.

Venha daí observar a geologia açoriana, para lá dos Rochedos do Chambre, onde as placas tectónicas que rasgam o Atlântico Norte se abraçam. As cicatrizes do rift da Terceira são particularmente visíveis nessa zona, lembrando a complexidade vulcânica que marca o contato entre as placas Norte Americana, Euroasiática e Africana. O trilho da Rocha do Chambre “integra o vasto sistema vulcânico central da ilha Terceira, onde, no meio de densa vegetação endémica, poderemos encontrar os Picos Vermelhos, formados numa erupção que ocorreu em 1761, o misterioso Vale do Azinhal, onde as coulées lávicas (lavas viscosas) se sobrepõem, a caldeira do vulcão do Pico Alto e a imponente escarpa de falha da Rocha do Chambre, fronteira entre a micro placa dos Açores e a imensa placa euro-asiática.

Decidimos depois ir ao Raminho e à Serreta, localidades dispostas na vertente do vulcão Santa Bárbara, o mais recente da ilha Terceira. As paisagens deslumbrantes são fortemente marcadas por domos e coulées lávicas emitidos a partir de erupções peleanas ocorridas nos últimos vinte mil anos. Nas zonas mais altas da Mata da Serreta e do Raminho, por entre pastagens naturais e florestas de endémicas, podem-se observar
imponentes domos vulcânicos, designadamente o Pico Rachado, com refrescantes nascentes de água cristalina nos seus flancos. As zonas mais baixas, talhadas nas imponentes falésias lávicas da Ponta da Serreta, constituem verdadeiros santuários de aves marinhas raras.

O dia permitiu deslocarmo-nos ainda à costa das Contendas onde se observam algumas das mais interessantes paisagens naturais dos Açores, “pintadas pela intensa turbulência vulcânica que afetou a Terceira nos últimos 3,5 milhões de anos.” Ao longo de uma costa recortada por fluxos lávicos que penetraram o mar, implantam-se várias bocas vulcânicas explosivas, numa indescritível miríade colorida de fragmentos lávicos nos Açores chamados de bagacinas.

Zarpámos para a ilha branca, a Graciosa, e para as terras queimadas da magnífica costa da Vitória. É um deslumbramento total. São escoadas lávicas a penetrar o mar, são pequenos ilhéus rochosos e é uma acolhedora praia de areias vermelhas. Mas é no lugar de Porto Afonso, nas suas falésias, que se encontra a mais esplendorosa ilustração do vulcanismo açoriano. São níveis rochosos calcinados pela fúria dos vulcões, são depósitos de bagacinas coloridos, que conferem à paisagem uma espantosa miríade de tonalidades, que vão do negro escuro das lavas basálticas ao amarelo e vermelho das escórias e do lapilli.

Consta que, a 19 de maio de 1623, desembarcou neste local um bando de piratas, heroicamente rechaçados pela força telúrica das gentes locais. A esta memória foi erigida a branca ermida de Nossa Senhora da Vitória, local de romaria e devoção.

Voltámos para trás e marcámos a rota para a ilha do Pico, mais conhecida por ilha montanha. Quisemos ir a São João, a freguesia dos mistérios, local onde no ano de 1718 ocorreram três erupções vulcânicas. Uma a dois de fevereiro, com saída de lavas no meio de estrondos e violentos sismos, gerando-se mantos de lava, localmente designados por mistérios, outra a onze do mesmo mês, no mar, com a projeção de cinzas e “grandes pedras ardentes”, e uma final, cinco meses depois, onde, a partir de dezasseis bocas dispostas nas faldas da grande montanha Pico, inundaram de fogo uma légua quadrada, consumindo terras, vinhedos e destruindo habitações. As cicatrizes destas manifestações eruptivas conferem ao lugar de São João um particular encanto, com mistérios, “curraletas” de vinha e uma orla costeira marcada por numerosos promontórios lávicos e baías magníficas.

Os Açores, como vimos e sentimos, escondem motivos de interesse que passam normalmente despercebidos à maioria dos visitantes e até aos próprios residentes, porque muitos deles não integram folhetos de promoção turística das ilhas. Desta vez fomos à Terceira, Graciosa e Pico com um novo olhar. Proximamente demandaremos outras ilhas do arquipélago para dar-vos a conhecer outras particularidades morfológicas das ilhas que a natureza oculta, embora estando à frente dos nossos olhos. Ficamo-nos hoje por aqui. Até mais.