Portugal vai receber 1400 refugiados dos 50 mil que se encontram em Itália e na Grécia, anunciou na quarta-feira, 29, o primeiro-ministro, em Málaga, Espanha, aonde se deslocou para visitar um destacamento português que participa no controlo da imigração ilegal no Mediterrâneo. Outros países europeus vão receber as suas quotas de imigrantes que atravessaram o Mare Nostrum a bordo de cascas de noz ou que fugiram ao conflito sírio e atravessaram a porosa e esparsa fronteira grega.
No mesmo dia foi notícia a morte de um sudanês sob as rodas de um camião no Túnel da Mancha. O imigrante tentava a sua sorte para chegar a Dover, na Inglaterra. Foi um dos muitos, cerca de 2000, que tentam a sua sorte todas as noites. (Sobre)vivem em Calais, em acampamentos improvisados que as autoridades francesas destroem sistematicamente mas que sistematicamente voltam a surgir nos arredores da cidade portuária francesa. São atraídos pelas baixas taxas de desemprego no Reino Unido, pelo facto de falarem inglês e pela maior facilidade de ali conseguirem trabalho sem documentos. Cameron, com a sua providencial sabedoria, avisou de imediato que ia pôr mais cercas de arame farpado em Calais e reforçar a segurança em Dover.
Na Hungria o governo também decidiu construir um muro nos 177 quilómetros de fronteira que partilha com a Sérvia. Para impedir os imigrantes kosovares e bósnios mas também sírios e afegãos de chegar à União Europeia. Com a sua peculiar ideia de democracia e de Direitos Humanos, Viktor Orbán, o primeiro-ministro, tem propalado a ideia de criar campos de concentração para os imigrantes, onde estes seriam forçados a trabalhar.
Na Jordânia (com uma área territorial equivalente à portuguesa) há 630 mil refugiados sírios, no Líbano (com um décimo) 1,2 milhões e na Turquia 1,8 milhões. No sul da bacia do Mediterrâneo há mais centenas de milhares a tentar a sua sorte. A rica Europa, que colonizou meio mundo e mandou magotes de emigrantes para a América, do Norte, África e para a América Latina nos séculos XIX e XX, pretende receber 50 mil destes desventurados. E voltamos a Passos Coelho.
O primeiro ministro diz que ajustou o esforço de Portugal à capacidade do País. E falou mesmo de solidariedade. Não dá para rir porque o assunto é demasiado sério. O que seria dos avós de Passos Coelho e de muitos portugueses se o governo brasileiro tivesse construído uma muralha no Atlântico para evitar que os imigrantes portugueses, no final do século XIX e durante grande parte do XX, desaguassem sem dinheiro nem pertences no Rio de Janeiro e na Baía? Ou daqueles que foram recebidos do outro lado dos Pirinéus, se os franceses não estivessem dispostos a recebê-los depois de uma travessia a pé ou comboio pela Península, acossados pela polícia de Franco?
Ao mesmo tempo, Passos Coelho defende no programa eleitoral da coligação liderada pelo seu partido incentivos à maternidade. Para inverter a tendência de baixa fecundidade, em Portugal. E pretende rever as regras da segurança social para evitar o colapso do sistema de pensões, minado por um crescente número de idosos e um diminuto número de ativos.
Aos líderes europeus e a Passos falta quase tudo. Até as vistas curtas, para não falarmos das largas. A culpa também é nossa, que os elegemos. Participamos todos nesta comédia mal amanhada enquanto os sudaneses morrem sob as rodas de um atrelado. A apenas 50 quilómetros do paraíso prometido…