Nem Tudo É Ficção
O café das almas perdidas
Sentei-me numa outra mesa, de frente para ela, com o mesmo espanto, quase religioso, com que me sento à varanda, na minha casa, para assistir ao nascer do sol

"Stage diving"
Nascimento acrescentou que, nas noites sem lua, as pessoas não têm sombra. Sem sombra, não correm o risco de serem arrastadas até águas profundas

A pedra faladora
Mostrou ao governador uma pequena pedra, da mesma cor que a sua própria pele, e com uma idêntica textura

Frutos Silvestres
O homem veste uma gabardina, umas calças de camuflado e botas militares. Caminha, em passadas largas e precisas

Os céus de Celestina
Bilal já não envelhece. É o tempo que envelhece à volta dele. Continua a tecer cestos. Na verdade, agora é sempre o mesmo cesto

O buraco
Uma coisa era uma rainha africana transformar uma escrava em cadeira, para enfrentar, de igual para igual, um colono europeu

A casa de coral
Sentei-me à mesa deles. Ula herdara da mãe o cabelo denso e escuro, e, sobretudo, aquela segurança de quem funda e desenha os próprios caminhos

Fúlvia
Acordei com o sol a dançar na parede do quarto. Na minha idade – em breve farei 100 anos –, qualquer dia de sol é um triunfo

O sonâmbulo
Estava empenhado em distinguir se aquilo que sentia era um legítimo arrebatamento místico – o nirvana! – ou uma prosaica bebedeira

Jamal e a morte
Malak entrou, um pouco surpreso. A maioria das pessoas que ele visitava recebia-o com choros e gritos. Muitos recusavam-se a acompanhá-lo, e ele tinha de os arrastar à força

O olhar dos outros
Quando a guerra terminou, descobriu que ainda a trazia dentro dele - à guerra! -, como um tumor maligno. Ouvir Bob Marley acalmava-o

Café Abismo
Comprara o estabelecimento, dez anos antes, a um velho colono português, o qual, por sua vez, o herdara do pai

Viver sem certezas
Alguns serão tentados a acrescentar que poucas pessoas no mundo têm o direito de se colocar no lugar de fala dos paraquedistas sem paraquedas

Uma desculpa para sonhar
“Suspeito de que haja mais coisas no céu e na Terra do que sonha qualquer filosofia. Esta é a razão por que não defendo nenhuma filosofia e também a minha desculpa para sonhar”

Três fábulas para os dias de calor
David puxou de uma faca, Abdel fez o mesmo, e logo se golpearam mortalmente um ao outro. O bode e a cabra acompanharam o drama de longe

Um anarquista africano em Lisboa
“Se Luanda é um esquisse apressado de Lisboa, a capital portuguesa me pareceu uma caricatura grosseira de Paris. Os portugueses imitam os franceses em tudo”

Silêncio: homens anoitecendo
Acho uma boa história, confessei. Certamente falsa, mas boa. O antigo guerrilheiro respondeu com uma gargalhada

Nunca em Samarcanda
“Fui pessoa por distração”, pensou Zack, vendo os pássaros pulando de galho em galho. Preferia ter sido ave. Doíam-lhe nas costas as asas que não tivera

A pedra do refúgio
Verdade seja dita que, quase sempre, quem quer que ganhe fica parecendo um pouco melhor do que o inimigo derrotado

Tranças novas
Os jantares no amplo terraço, à luz de velas, das estrelas e do luar, eram um programa romântico, que atraia casais em início de namoro ou no último e desesperado estertor de uma relação conturbada

O eco
Juvenal negou-se a fazer-lhe um aborto. Sugeriu-lhe, ao invés, que levasse a gravidez até ao fim e lhe entregasse o bebé
