Já estava uma “pilha” antes do jogo começar. E desta vez nem fui buscar o cachecol para não azarar, como contra a Islândia.
Ao primeiro golo da Croácia pensei que tinha mudado de canal e começado a ver o Circo de Moscovo.
Ao segundo, dei uma violenta sapatada na frágil mesa que tinha mais à mão e o comando voou. (Durante o Mundial, sou um passivo-agressivo à solta, cuidado…).
Depois, disse algo que não posso, de todo, reproduzir em meios seletos como uma revista de informação geral. E em segundos, transformei-me numa dessas personagens irritantes do Pokémon.
Ao terceiro golo, subi as escadas, fumegante, e fui ler ao meu filho a história do pato que formou um clube só seu por não o deixarem entrar em nenhum. Por momentos, apeteceu-me chamar-lhe Sampaoli.
Sim, a quase eliminação da Argentina deu cabo de mim.
Entendam-me: quero que Portugal vá longe, tão longe quanto possível. Mas na minha infância e adolescência fui campeão do mundo duas vezes e isso não se esquece.
Na verdade, minha querida Argentina, não imaginas o que andas a fazer com o meu coração há 32 anos. Não se pode alucinar uma criança aos 7 anos com chuvas de papelinhos a cair das bancadas, e aos 15 com uma droga chamada Maradona, e depois pôr o adulto em que o menino se tornou a ressacar à custa de uns tipos (menos Messi) que não convidaria nem para um churrasco. (Enfim, talvez convidasse o Dybala ou Meza, mas o segundo só mesmo por falta de sítio onde pôr as travessas).
Sabes, Argentina, não adianta pores a Joan Baez ou a Madonna em looping a cantar o “Dont Cry for Me…” que eu choro à mesma.
Choro por ter amar de longe desde que me conheço e por te amar de perto desde que pude dizer “Mi Buenos Aires querida” no teu próprio chão. Amo-te nas tuas tragédias e loucuras, nos teus arremedos e fissuras. Amo-te quando me mostras o que é estar agradecido à vida e quando a sorves a cada gota e imaginário. Amo-te naquilo que seria suficiente para que outros ter internassem de vez num manicómio, mas também na forma lírica, arrebatadora ou ingénua como te atiras rumo ao abismo.
Sou teu desde Menotti, Kempes e Ardilles.
Teu, desde Diego, esplendor na relva.
Teu, desde Itália, em 1990, quando não te deixaram ganhar.
Sou teu por todas as ruas, bairros, sabores, gentes e palavras que conheço ou desconheço, mas onde me deito e sonho, de Gardel a Mercedes, de Sabato a Casares, de Caparrós a Leila Guerriero, de Guevara aos rostos que o João Pina fotografou para contar os anos em que o Condor voou sobre as tuas aspirações de uma vida normal.
Argentina, neste momento triste em que ainda não morreste, mas te arrastas moribunda pelos campos da Rússia, não tenho palavras nem versos novos para te animar. Em mim, tudo o que podia florescer, mirrou. A verdade, porém, é que mantive a minha promessa e, desde 1978, nunca te deixei (embora tivesse um fraquinho pelo Brasil, em 1982, confesso). Agora, vá, tenta lá tu, pelo menos, não manter a distância.