O resultado eleitoral obtido pela Frente Nacional (FN) no domingo passado, nas eleições regionais francesas, fez perder o equilíbrio a muita gente. Foram sobretudo os políticos tradicionais, do arco central, à esquerda e à direita, quem ficou mais destabilizado. E nestes dias, uma boa parte dos comentários e das declarações políticas vão no sentido de tentar perceber o que terá levado cerca de 30% dos eleitores a colocar a FN à cabeça do panorama partidário francês. Como também se procura entender qual poderá ser o impacto sobre outras partes da Europa de uma França que mostra agora um marcado pendor ultranacionalista, com profundos traços xenófobos.
Responder as estas questões de modo politicamente correto seria um erro. A hora não é para palavras mansas. Mas também não chega dizer que se trata da extrema-direita, do fascismo e que Marine Le Pen é o diabo personificado. Esse tipo de acusações perdeu tração. Aparece como conversa do passado, de intelectuais de ideias vagas.
É preciso sublinhar que uma votação deste tipo, que é antissistema, mostra que existe um mal-estar social de peso. Ao nível dos jovens – uma em cada três pessoas da faixa etária dos 18-24 anos votou FN –, dos operários e dos trabalhadores indiferenciados e mais mal pagos – mais de 40% terão votado FN –, bem como de muitos outros que perderam a confiança na classe política e na representatividade do atual sistema parlamentar. Assim, uma boa parte dos votos traduzem um anseio por uma maior segurança económica, por uma resposta mais eficaz e destemida à imigração, por políticos que mostrem ser capazes de ouvir os eleitores, de se identificarem com as preocupações dos cidadãos que se sentem mais vulneráveis. São, igualmente, uma reação de medo diante do terrorismo e da diversidade étnico-religiosa. Sim, o FN tem sido hábil a explorar a seu favor a crescente incompreensão popular que existe em relação a um Islão que é cada vez mais visível no quotidiano de muitos franceses. Por isso fala repetidamente da identidade nacional e do retorno às raízes ancestrais, ou seja, de temas que dão um sentimento de conforto a quem não entende o presente e teme o futuro.
Há uma crise profunda em França e noutros países vizinhos. Em períodos de crise, os cidadãos querem um Estado forte e resoluto. É essa a matriz que define a nossa maneira europeia de estar em sociedade. Dantes, vivia-se à sombra das igrejas, com esperança em Deus e os santinhos sempre nos lábios. Com o tempo, perdemos a fé, que já de pouco serve, e passámos a habituar-nos à segurança que resulta de um Estado protetor e firme.
E é isso que os franceses deixaram de ver em François Hollande e nos seus. Acham-nos fracos e indecisos, numa altura em que os desafios são invulgares e ameaçadores. E assim, os socialistas perderam votos e poder. Alienaram, acima de tudo, o bem mais precioso que existe em política, que é a confiança do eleitor. Aparecem agora como terceira força, ao nível nacional, depois do partido do antigo presidente da República, Nicolas Sarkozy. Este ainda consegue algum apoio por ter adotado um discurso próximo do que diz e promete o FN. Mas nestas coisas muitos eleitores crêem que é melhor optar pelo original que pela cópia, para além dos franceses verem Sarkozy como um político agitado, um diabrete com uma presença pública nervosa. Tudo isso faz pensar em incoerência, numa altura em que os eleitores querem certezas e muita clareza.
Há que refletir a sério sobre tudo isto. O populismo e o radicalismo não se manifestam apenas em França. Por outro lado, se amanhã Le Pen chegasse ao poder, o que não é impossível, pela maneira como as coisas evoluem em França, o impacto das suas políticas económicas, sociais e de relações exteriores levaria à derrocada do projeto comum e ao retorno a uma Europa de conflitos e de misérias.