Ainda não passou uma semana da sua eleição para a Assembleia da República e já a futura deputada Joacine Katar Moreira está a ser vítima de uma campanha de ódio nas redes sociais e alvo de uma petição (à hora que escrevo leva já quase dez mil assinaturas) a exigir que a sua tomada de posse seja impedida. E o fundamento é, pasme-se, o facto de terem aparecido uma ou mais bandeiras da Guiné-Bissau durante a festa da noite eleitoral na sede de candidatura do Livre. Da Guiné-Bissau e, já agora, de Portugal e da União Europeia.
Logo na manhã seguinte à eleição, nas redes sociais do partido Chega, de André Ventura, também ele eleito, surgiu o primeiro ato desta campanha. Comparavam-se os festejos do Chega e do Livre para mostrar que os primeiros tinham ido com a bandeira nacional cantar o hino à porta do Parlamento, enquanto que, no Livre se festejava com bandeiras da Guiné. Desde então, o tema espalhou-se nas redes sociais, com o propósito de atacar a alegada falta de patriotismo da nova deputada. Daí à petição foi uma questão de tempo.
Simplesmente ridículo, não fosse este ser um caso assustador e ofensivo. Sobretudo num país como Portugal, que se habituou, e muito bem, a idolatrar e respeitar como símbolos nacionais gente como o moçambicano Eusébio, os brasileiros Deco e Pepe, o cigano Ricardo Quaresma, o cabo-verdiano Nani, o costa-marfinense Nélson Évora, o nigeriano Francis Obikwelu, a são-tomense Naide Gomes e tantos, tantos outros. E destaco aqui os desportistas, apenas por serem exemplos notáveis dos muitos milhares de cidadãos que, independentemente da sua origem, cor da pele, credos ou crenças, têm escolhido Portugal para viver, trabalhar e, em inúmeros casos, honrar com o seu talento e os seus feitos. Gente que tem – queiram ou não alguns – plenos direitos de cidadania. São portugueses como qualquer outro, com o direito e a liberdade de erguer as bandeiras que bem entenderem.
Não será, seguramente, coincidência que esta ofensiva contra Joacine Katar Moreira surja exatamente na mesma altura em que, pela primeira vez, um partido de extrema direita consegue um lugar no Parlamento. Aliás, Joacine Katar Moreira – mulher negra, gaga, tão orgulhosa das suas origens guineenses quanto da sua condição de cidadã portuguesa e europeia de plenos direitos – bem avisou, durante a campanha eleitoral, que o maior “risco são os indivíduos que estão na Assembleia da República e gaguejam quando pensam”. E é exatamente contra esta gaguez mental que é preciso dizer… chega!