Vivemos a era em que a liberdade de expressão deixou de ser um direito constitucional, para se tornar numa força concreta, quase tectónica, que atravessa governos, marcas, instituições e lideranças. Já não se trata apenas de poder falar sem medos. Trata-se de poder ser ouvido e de fazer com que o que é dito tenha realmente consequência.
Nas últimas semanas, os episódios que envolveram o atual primeiro-ministro e o líder da oposição, Pedro Nuno Santos, voltaram a expor a tensão crónica entre a comunicação institucional e a perceção pública. Não importa quantas conferências se façam, quantas justificações se redijam, quantos assessores alinhem as frases certas: se a confiança se rompe no domínio público e nem o aparelho político mais sofisticado consegue contornar os danos.
A verdade é esta: a reputação já não se constrói em bastidores — constrói-se em praça pública. E essa praça já não é a televisão, não. É o digital. E nela, cada cidadão tem o poder ativo de escrutínio.
Essa é, para mim, a transformação mais profunda, e talvez mais silenciosa da nossa democracia contemporânea. A liberdade de expressão digital tornou-se o novo instrumento de responsabilização social. Um poder invisível, mas implacável. Um referendo permanente onde todos podem votar com a sua opinião, denúncia ou exposição.
Enquanto fundador de uma plataforma digital, onde milhões de cidadãos partilham, todos os dias, as suas experiências de consumo e relação com o poder, observo este fenómeno com uma mistura de fascínio e responsabilidade. O crescimento constante da participação cívica online não é apenas estatístico — é simbólico. Ele revela que o cidadão comum já não aceita o silêncio como norma, nem a opacidade como inevitabilidade. Onde antes se engolia em seco, hoje escreve-se. Onde antes se desistia, hoje publica-se.
De salientar, que este novo ecossistema não substitui os mecanismos formais de regulação — mas expõe as suas falhas. Contudo, compara, contrasta e pressiona. E, mais importante ainda, torna-se muitas vezes mais eficaz do que as vias tradicionais, que continuam demasiado encerradas no formalismo e numa lógica de controlo da narrativa, sob a esfera do estado.
É neste contexto que a reputação ganha uma nova definição. Já não é apenas imagem. É consequência. A reputação, hoje, é a memória pública de como um líder, uma empresa ou uma instituição responde à crítica, à transparência e à dissonância.
Claro que esta liberdade traz riscos. Há ruído. Há exageros. Há distorções. Mas isso não invalida o seu valor democrático — obriga-nos, antes, a educar e capacitar os cidadãos para exercerem esse poder com responsabilidade.
Não me iludo: este é apenas o início. Mas é um início promissor. Porque pela primeira vez em muito tempo, quem tem o poder sente que está a ser observado — e quem observa sente que tem poder.
E isso muda tudo.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.