Atenção, atenção, atenção: provavelmente, o maior ativo dos nossos tempos.
Desde muito novos que ouvimos a exclamação “atenção!” – na escola, em casa, em convívio com amigos, em todo o lado. A capacidade para estar atento sempre foi uma habilidade valorizada pela sociedade em geral, visto que está associada a produtividade, obediência e inteligência. A demanda pela atenção sempre foi alta mas está, hoje, mais alta do que nunca.
A partir do momento em que as grandes empresas que gerem as redes sociais se aperceberam que o seu grande ganha-pão estava na capacidade de captar a atenção e mantê-la na sua plataforma, o mundo nunca mais foi o mesmo. A colheita de big data foi e é apenas o primeiro passo de uma corrida maior, dados por si só não valem de muito – é na próxima passada que está o segredo, transformar dados em informação que pode ser utilizada por um algoritmo mutante, em constante pessoalização de acordo com o utilizador.
Instagram, Facebook, TikTok, X, nenhuma destas redes tem como produto os conteúdos disponíveis, até porque o acesso aos mesmos é gratuito. A gratuitidade é o grande cavalo de Tróia que ilude o utilizador e faz com que este se submeta a processos que desconhece mas que aceitou sem ler as condições de privacidade e política de cookies. Não sejamos ingénuos: a gigante maioria dos utilizadores destas plataformas não lê estas informações porque não foram, de facto, feitas para serem lidas: desde a linguagem críptica, à extensão dos parágrafos, e a própria dimensão da letra, estes “avisos” são uma fachada. E acompanhados destes pseudo-avisos, está um design de plataforma concebido para ser aditivo, recorrendo a mecanismos idênticos aos que são utilizados por casinos: o mais comum e que talvez todo o leitor reconhecerá com facilidade é o da slot machine. Não é por acaso que todas as redes sociais já aqui mencionadas utilizam um estilo de atualização de feed igual ao de uma slot machine: com movimentos da página para cima e para baixo para atualizar, sempre com resultados novos, sejam eles positivos ou negativos, o que importa é manter o utilizador agarrado ao ecrã e com vontade de ter mais e mais resultados.
Nick Couldry, sociólogo e investigador na LSE, chama a este processo de data colonialism ou, em português, colonialismo de dados. Este processo engloba a recolha, o tratamento e a utilização da informação por parte de algoritmos de modo a gerar lucro. No fundo, é daí que advém a utilização do termo “colonialismo”: o que estas empresas fazem consiste na apropriação de dados pessoais que as pessoas nem sabem estar a dar de forma gratuita para gerar receitas de milhões e milhões de dólares. Os nossos dados e a nossa atenção está a ser colonizada para um espaço digital totalmente fora do nosso controlo.
Não é, então, por acaso que se ouvem cada vez mais queixas, sobretudo da geração mais jovem, relativas à capacidade de concentração. Atividades como ler um livro, ver um filme do início ao fim, estudar ou até trabalhar estão mais difíceis. O cérebro, depois de habituado a grandes doses de estímulos rápidos, por vezes de segundos, tem dificuldade em focar-se em atividades de duração mais longa e requerentes de maior atenção numa só coisa.
De modo a prevenir que uma geração inteira tenha problemas de concentração, urge que se legisle no sentido de responsabilizar estas empresas de tecnologia. A proibição de telemóveis nas escolas de 1° e 2° ciclos pode ser um primeiro passo, porém há que ir mais longe; há que ir à fonte do problema – regulação das redes sociais. Tudo é regulado na nossa sociedade porque concordamos colectivamente que a liberdade precisa de regras para sobreviver. Porque é que as redes sociais são exceção? Estarão os biliões de Musk e Zuckerberg a falar mais alto do que os valores democráticos das nações? Atenção a isto!
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