Se Fernanda Torres ganhar o Oscar pelo seu papel em Ainda Estou Aqui (estamos na torcida, Nanda!), em grande medida, a uma cena do filme o deve. Rubens Paiva, engenheiro civil e antigo deputado do Partido Trabalhista, foi detido para interrogatório pelos “capangas” da polícia militar brasileira. Não há notícias dele e os indícios não auguram nada de bom. A movida do Rio de Janeiro dos anos 70 continua a acontecer na cidade e Eunice, mulher e mãe dedicada, está agora na geladaria com os filhos. É um exercício de contenção de que só os grandes são capazes: apenas diálogos de um quotidiano banal, tudo se pressente no olhar e, sobretudo, no que não é dito, nos silêncios.
A incerteza dominava desde a prisão, mas, até ali, para Eunice, o sorriso havia sido uma arma. “Nós vamos sorrir. Sorriam!”, ordenou aos filhos, quando os jornalistas lhe disseram que o editor pedira uma fotografia mais triste. Pode até ser inusitado, mas é na tranquilidade aparente da geladaria que a morte de Ruben Paiva se torna evidente. O pai ficou nos calabouços da ditadura, já não vai voltar para a sua família feliz. Até àquele momento, os dias giravam em torno da praia, da música, dos filmes Super 8, das festas, dos amigos reunidos à volta de um soufflé. Nunca a célebre frase de Tolstoi se aplicou tão bem: “Todas as famílias felizes se parecem umas com as outras.” Dali em diante, porém, a vida não será mais a mesma. A ditadura interrompeu o dia a dia, invadiu a intimidade daquela casa e, agora, a inquietação é esta: apesar da tragédia, ainda estamos aqui?