A Assembleia da República vive, por estes dias, o frenesim das votações, ponto por ponto, de medidas inscritas no Orçamento do Estado para 2025. Com mais de duas mil propostas de alteração, já se percebeu que, mais coisa, menos coisa, o documento vai mesmo ser aprovado na votação final global. O que parecia ser um irritante insanável, a redução de um ponto percentual no IRC, foi resolvido. O PS ameaçou bloquear a medida, porque a descida do IRC impediu que fosse feito um acordo entre Governo e socialistas e, portanto, Pedro Nuno Santos estava à vontade. Por outro lado, já que não havia acordo, como o próprio PS reconheceu, então o Governo, se o PS votasse contra, sentia-se desobrigado de manter a marca de 1% e, por iniciativa dos grupos parlamentares do PSD e do CDS, regressaria à medida inicial de um corte de 2%, o que teria aprovação garantida pelo voto favorável do Chega. Esta pequena chantagem, que o PS classificou de “baixa política”, teve o condão, porém, de levar os socialistas a recuar, minimizando, portanto, o que consideravam os danos fiscais da medida. Na verdade, não tendo havido acordo, o Governo podia ter regressado ao seu documento original, prévio aos encontros entre Montenegro e Pedro Nuno. É que as razões invocadas pelo PS para a viabilização do Orçamento (por via da abstenção) foram apenas duas e nenhuma delas se refere ao IRC: primeiro, o País teve eleições há menos de sete meses. Segundo, nada indica que de eleições antecipadas pudesse resultar uma solução de estabilidade para o País. Ora, estas razões mantêm-se, independentemente do que possa ser aprovado ou rejeitado na discussão na especialidade. No limite, o Governo podia ter feito tábua rasa das suas cedências – afinal, não havia nenhum acordo a respeitar. Politicamente, claro, isso teria um preço elevado: o Governo firmou um compromisso e só podia respeitá-lo.
Resta, como “tema emocionante”, a questão do aumento extraordinário e permanente das pensões. Esta opção, que contém laivos de populismo – com a inflação a regressar a números normais nada justifica uma medida que, lá está, se chama “extraordinária”… –, deverá ser proposta pelo PS e apoiada pelo Chega. Segundo o Conselho de Finanças Públicas, a folga orçamental permite acomodar este aumento extraordinário, em 2025 – e, mesmo assim, haverá excedente. Então, porque não fazê-lo? Poderia haver várias razões, entre as quais gastar esse dinheiro em políticas públicas mais necessárias ou… abater a dívida. Os cortes e congelamentos de pensões decididos pelo governo de Passos Coelho foram uma opção do governo português não imposta pela Troika, que apenas exigia o cumprimento de objetivos, sem definir de que forma eles seriam atingidos… Depois disso, porém, os pensionistas foram a faixa populacional mais acarinhada pelos sucessivos governos, os de António Costa e, agora, o de Luís Montenegro. Só nos últimos anos, já houve vários aumentos extraordinários, além do mecanismo legal que cola a atualização das pensões à taxa da inflação, o que não acontece em nenhum setor da Administração Pública. Em 2023, a inflação atingiu 4,5% e as pensões foram aumentadas em 8,4%. Em 2024, a inflação foi de 2,6% e as pensões subiram 6%. Em 2025, a inflação será de 2,3% e as pensões sobem 2,5% ou mais de 3%, com esta proposta do PS, previsivelmente aprovada. Para não falar dos bónus de “one shot” que os dois governos, do PS e da AD, também já deram. Aliás, quando, na Festa do Pontal, Luís Montenegro anunciou esse cheque extraordinário, o PS acusou a AD de eleitoralismo. Esta semana, Pedro Nuno Santos, sem se rir, afirmou que o Governo olha para os pensionistas “como uma clientela eleitoral”, esquecido de que é ele quem propõe este aumento permanente. É que, se em 2025 a folga permite isto e muito mais, como será nos próximos anos? A medida é para sempre. A não ser que apareça, entretanto, e em tempo de vacas magras, um governo impopular que venha a repetir as medidas de Passos Coelho. Ou talvez essa opção nunca mais volte a estar em cima da mesa: o pensionista é um eleitor que se abstém pouco. São muito numerosos e o seu peso eleitoral pode definir quem vai governar. Por isso, um tal aumento de pensões seria uma medida para guardar: ela daria muito jeito em ano eleitoral e Montenegro não queria gastá-la já. Mas Pedro Nuno prefere que o cartuxo seja agora queimado. Clientela eleitoral? Qual quê…
Golpe de vista
Montenegro dá cinco cêntimos ao arrumador
Na Cimeira do G20, onde esteve, como observador, Luís Montenegro anunciou, com pompa e circunstância, a contribuição portuguesa para a Aliança Contra a Fome e a Pobreza: 300 mil dólares (284 mil euros)! Não haverá falta de populistas a dizer que o dinheiro dos contribuintes devia ser aplicado a combater a pobreza dos portugueses, mas, perante esta “fortuna”, só podemos concluir que Montenegro chegou ao G20, estacionou o carro e deu… cinco cêntimos ao arrumador.
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