Onze mortes depois, a ministra da Saúde, Ana Paula Martins, em audição parlamentar, assumiu a responsabilidade. Mas reafirmou que se mantém no cargo. As fatalidades alegadamente causadas pelas falhas de atendimento do INEM, durante uma greve largamente anunciada, mas sem qualquer prevenção sobre o que poderia acontecer, dão-nos várias lições. No capítulo político, retiramos a lição de que o Governo gastou mais uma vida dos sete fôlegos do “estado de graça”: independentemente do que venha a ser apurado no plano dos factos – as mortes foram mesmo causadas pelos atrasos apontados? –, se esta ministra pertencesse ao último governo de António Costa, depois de dois anos de casos e casinhos, há muito que se teria demitido – ou sido demitida. A negligência política e técnica relacionada com a falta de previsão dos efeitos de uma greve desta natureza é por de mais evidente. Mais, a responsabilidade afeta toda a cadeia do sistema, a começar, desde logo, pelas estruturas intermédias do Ministério da Saúde, incluindo a direção do INEM que, essa sim, de certeza, tinha de saber o que poderia acontecer e nada fez.
Independentemente do que fica dito atrás, é preciso foco, a partir de agora, no plano jurídico, ou seja, o caso pode envolver responsabilidade civil – não se sabe se, até, criminal – e, por isso, o Ministério Público já estava a investigar seis das 11 mortes, sendo que um sétimo caso já tinha sido arquivado, quando, na terça-feira, fechávamos esta edição. É preciso apurar se estas mortes, e quantas delas, foram mesmo causadas pelo atraso na ajuda e quantas ocorreriam de qualquer forma. Entre as investigações, é indispensável que a ciência médica forense se pronuncie, mediante a realização das respetivas autópsias, e do que delas possa ser, ou não, apurado, isto é, atribuir responsabilidades punidas judicialmente (não estamos a falar da responsabilidade política) exige, nos tribunais, a demonstração da causa-efeito, ou melhor, que seja feita a prova. Neste caso, a prova é particularmente difícil. Mas dela depende a eventual atribuição de indemnizações às famílias das vítimas. Até lá, estamos a pôr o carro à frente dos bois.
No plano moral, é inevitável falar do sindicato, que não pode escapar por entre os pingos da chuva. É que, além da direção do INEM, os trabalhadores sabem, como ninguém, o que pode acontecer nesta situação. Lavar as mãos disto e deixar à tutela o ónus da prevenção não é opção. Ironicamente, o caso do INEM ocorreu na mesma semana em que muito se falou do direito à greve dos polícias. Tem-se entendido que os polícias não podem paralisar, porque a segurança é uma função vital do Estado. E a emergência médica, que serve para salvar vidas em situações extremas, é o quê? Não está em causa inverter o direito à greve, mas ela deve ser usada com parcimónia e com responsabilidade. Já agora, falar de serviços mínimos, no caso do INEM, também fará pouco sentido. Sendo um serviço de emergência, é, por natureza, uma linha de “serviços máximos”. Com serviços mínimos, teria acontecido o quê? Morriam, seis, sete pessoas, em vez de onze?…
PS – Já com o mal feito, Governo e sindicato sentaram-se à mesa e em poucos minutos a greve foi suspensa. Pergunta: se era assim tão fácil, porque não se reuniram antes? Ou será porque o susto provocado pelas mortes ativou a (má) consciência das partes?…
OUTROS ARTIGOS DESTE AUTOR