Há termos clínicos que, pela sua importância e impacto, entraram no léxico de profissões e atividades não-relacionadas com a medicina, como a filosofia, a dramaturgia (Teatro trágico ou cómico), e mesmo a política e a teologia, entre outras. Um bom exemplo do que refiro é o termo “metástases”, utilizado, quase exclusivamente, quando se pretende descrever a disseminação, a invasão, de algo “fora do seu lugar”. Num contexto exclusivamente médico, em Oncologia, metástase indica a “transferência do local da doença”. Ou seja, a formação de metástases surge quando um novo cancro surge – derivado do original – num outro local do corpo.
Mas a etimologia da palavra “metástase” é um pouco mais complexa. Derivada do Grego (“meta”: próxima; “stasis”: localização), significa deslocar algo (ou alguém) de um local para outro. Facto curioso, Aristóteles e Platão terão utilizado a palavra/expressão “metástase” para descrever mudanças – por vezes envolvendo revoluções ou transições – ao nível da constituição (política).
Embora existam registos da utilização da palavra “metástase” em documentos científicos e médicos desde o século VIII A.C., somente no século XVI depois do nascimento de Cristo a palavra “metástase” foi inserida na língua Inglesa, com o significado mais amplo de “transição rápida de um ponto para outro”.
Procuramos desenvolver melhores sistemas de imagiologia, mais marcadores sistémicos e outras formas que permitam a deteção de poucas células. O desenvolvimento destas tecnologias contribuirão para eliminar atempadamente células tumorais disseminadas nos diferentes órgãos
Facilmente compreendemos o significado, repetido em inúmeros contextos, da palavra/expressão “metástase”. Então porquê mencionar algo que “percebemos”? A verdade é que a metastização, a formação de tumores secundários derivados de um tumor inicial, é um desafio científico e clínico que podemos classificar como verdadeiramente formidável.
Sabemos que células saem do tumor primário através da corrente sanguínea, da linfa, ou de outros canais de comunicação com o resto do corpo. Essas “células tumorais circulantes” têm de sobreviver aos novos ambientes, resistir ao reconhecimento e à ação do sistema imunitário, reconhecer sinais nos locais de metastização (que digam: “aqui é um bom local”), invadir esses locais e sobreviver, por vezes durante anos, até crescerem e formarem um novo cancro. Do ponto de vista celular e molecular, é verdadeiramente formidável e desafiante.
Mas qual a consequência e porque é importante percebermos como evitar a formação de metástases? Um artigo recente, escrito por clínicos e cientistas americanos e britânicos, descreve de forma bastante completa as razões que explicam porque morrem pacientes oncológicos (o título é, literalmente, “porque morrem os doentes com cancro”, do inglês “Why do Cancer Patients Die?”). Cerca de 90% das mortes por cancro são atribuídas à formação de metástases. Ou seja, doentes que venham a desenvolver metástases têm um maior risco de poder vir a morrer do seu cancro.
Neste artigo, a todos os níveis notável na sua capacidade de síntese e de desafio científico e clínico, resumem-se os principais órgãos afetados por metástases e as razões de falência desses órgãos. O que os autores pretendem, afinal, é compreender de que forma células disseminadas (metástases) conseguem comprometer a função de órgãos essenciais, como os pulmões, o cérebro, a medula óssea, o fígado (para citar alguns), e assim contribuir para intervenções clínicas dirigidas a esses problemas em concreto. A expetativa é, então, a de reduzir as consequências da formação de metástases atuando após o problema estar estabelecido.
Cientificamente falando, atuamos a ambos os níveis: ao nível do tumor primário pretendemos compreender que células saem, porque e como saem, e como sobrevivem na circulação sanguínea. Pretendemos ainda definir assinaturas moleculares que permitam prever os cancros com maior capacidade de formar metástases. Todos estes esforços prendem-se com um objetivo principal, o de evitar a formação de metástases. Após o estabelecimento destas células noutros órgãos, para além do que mencionei anteriormente, procuramos também perceber os mecanismos que permitem às células tumorais presentes nos locais de metastização sobreviverem por vezes anos sem serem detetadas pela tecnologia atualmente disponível. Procuramos desenvolver melhores sistemas de imagiologia, mais marcadores sistémicos e outras formas que permitam a deteção de poucas células. O desenvolvimento destas tecnologias contribuirão para eliminar atempadamente células tumorais disseminadas nos diferentes órgãos.
“Deslocação para outra realidade, outro local”, poderia ser – de facto – um slogan político, ou teológico, onde seria quase enigmático, quiçá cativante ou pelo menos sedutor. No contexto oncológico porém, a realidade é muito menos bela, mas igualmente fascinante.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.