Vivemos numa era em que a produtividade se tornou um símbolo de valor e o sucesso parece estar diretamente ligado ao número de horas que trabalhamos. A cultura do hustle – valorização da sobrecarga de trabalho – é promovida como o caminho certo para alcançar objetivos.
Embora o equilíbrio vida pessoal/profissional seja um tema sobre o qual muitos teorizam, na prática, a realidade é outra. Mesmo com a integração do teletrabalho, o número de horas dedicadas continua a ser um símbolo de compromisso. A pressão é silenciosa mas constante, infiltrando-se nas rotinas diárias, nas expetativas profissionais e até nas conversas casuais. Sem que ninguém o diga abertamente, sentimos que só com uma dedicação total — mesmo à custa de sacrifícios — conseguiremos corresponder às expectativas da liderança.
Quando o “hustle” não lhe serve mais
Se se sente constantemente exausto, emocionalmente esgotado ou preso num ciclo de stress e ansiedade, a resposta é clara: o “hustle” deixou de lhe servir. A pressão para estar sempre a produzir é tão subtil e insidiosa que muitas vezes ignoramos os sinais, físicos e psicológicos, de alerta. Não se trata apenas de não se encaixar num projeto ou numa equipa; trata-se de reconhecer que este ritmo está a comprometer a sua saúde mental. Se tem de forçar, então esse não é o seu caminho!
Impactos psicológicos da cultura do “hustle”
Inúmeros estudos revelam que os trabalhadores portugueses manifestam níveis elevados de stress relacionados com o trabalho e esta tendência é crescente. Entre as principais consequências desta sobrecarga de trabalho estão a ansiedade, a depressão e o burnout. De acordo com dados da Agência Europeia para a Segurança e a Saúde no Trabalho, Portugal está entre os países com maior prevalência de doenças mentais relacionadas com o trabalho.
Quando passamos os dias a trabalhar e as noites a planear o próximo passo, o desgaste psicológico torna-se inevitável. A linha entre a vida pessoal e a profissional desaparece e a culpa instala-se sempre que tentamos fazer uma pausa, como se o descanso fosse um luxo e não uma necessidade. A cultura do “hustle” impõe-nos esta exigência inatingível de que parar é sinónimo de falhar.
Pode alcançar o sucesso rapidamente, mas se o caminho for destrutivo, que valor terá a vitória?
Ansiedade e Burnout: Os sinais a que deve estar atento
Assim como, demasiadas vezes, ignoramos os sinais de problemas numa relação, também no contexto laboral o corpo e a mente dão sinais de instabilidade. A ansiedade, o stress crónico e o burnout são as manifestações mais comuns. O burnout, que já foi reconhecido pela OMS como uma síndrome ocupacional, afeta 1 em cada 5 profissionais em Portugal, com maior incidência em jovens adultos e trabalhadores em início de carreira.
Os sinais podem incluir: cansaço físico e mental persistente, falta de motivação e interesse em atividades que antes davam prazer, dificuldade em estar concentrado e em tomar decisões, sentimento constante de fracasso ou inadequação, irritabilidade e isolamento social.
Se reconhece estes sintomas, é fundamental reavaliar o seu percurso. Não ignore os sinais. Sucesso sem saúde é apenas uma conquista vazia.
O custo invisível: O impacto nas relações pessoais
A cultura do “hustle” também afeta as relações pessoais. A falta de tempo e a exaustão emocional não permitem que estejamos presentes. Na constante preocupação com prazos, metas e promoções, negligenciamos quem prioriza a nossa saúde em prol do sucesso – a família e os amigos. No final do dia, a solidão e o isolamento tornam-se os grandes companheiros. Não deixe que esta procura incessante pelo “mais” ofusque o que realmente importa, porque de que serve o sucesso se não tem com quem partilhá-lo?
Um novo paradigma: O equilíbrio entre trabalho e vida pessoal
É importante desconstruir a ideia de que trabalhar até à exaustão é a única forma de ser bem-sucedido. Sucesso não tem de significar sacrifício constante. Trabalhadores que conseguem um melhor equilíbrio entre a vida profissional e pessoal têm níveis mais elevados de produtividade e bem-estar.
Importa aprender a definir limites claros entre o trabalho e o descanso, respeitando as pausas. Isto inclui momentos de autocuidado, de lazer e, acima de tudo, de desconexão. A chave está em trabalhar com propósito, não em trabalhar mais.
Estratégias para o equilíbrio:
1. Planeie mais: Estabelecer uma rotina semanal que inclua pausas regulares, tempo para a atividade física e momentos de relaxamento é fundamental. Para quem tem família, planear a semana — incluindo as refeições, a roupa e as tarefas da casa — pode ajudar significativamente a diminuir o stress e a sobrecarga emocional. Este planeamento não só proporciona uma maior organização, mas também permite que possa dedicar tempo de qualidade à tua família.
2. Aprenda a dizer “não”: Num momento em que as oportunidades parecem fugazes, importa perceber que nem todas devem ser aproveitadas. Dizer “não” é, muitas vezes, uma demonstração de inteligência emocional, especialmente para aqueles que têm responsabilidades familiares. Reconhecer os próprios limites é uma forma de cuidar.
3. Defina prioridades: Reflita sobre qual é o seu verdadeiro objetivo. Questione se vale a pena sacrificar a sua saúde em prol de metas que, em resultado, não trazem tranquilidade duradoura. Com a multiplicidade de responsabilidades que enfrentamos, é crucial identificar o que realmente importa, para que possamos ajustar as prioridades.
4. Procure ajuda: Se sentir que a pressão está difícil de suportar, procure a ajuda de um profissional. Reconhecer que precisa de apoio é um sinal de força. Quanto mais cedo identificar e tratar os sintomas de burnout ou ansiedade, mais rápido recupera. Lembre-se de que cuidar de si é também cuidar dos seus; uma mente saudável é essencial para um lar equilibrado e harmonioso.
O seu bem-estar em primeiro lugar
A cultura do “hustle” promete sucesso e realização, mas muitas vezes o preço a pagar é alto demais. O verdadeiro sucesso não é medido apenas em conquistas profissionais, mas sim no equilíbrio que consegue estabelecer entre a tua vida pessoal e profissional. Coloque a sua saúde mental em primeiro lugar. Afinal, um dia de descanso hoje pode significar muitos anos de sucesso amanhã.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.