Agora que os dias começam a ficar mais pequenos e os mais pequenos exultam por voltar à azáfama da escola – enquanto nós, adultos, lhes invejamos os quase três meses de férias –, talvez seja tempo de fazer contas à vida. Sobretudo à dos portugueses. Dados da Pordata mostram-nos que, no ano passado, 38,9% das pessoas em Portugal não tinham capacidade para pagar uma semana de férias fora de casa. Estamos a falar de praticamente metade da população. Este ano, naturalmente que os dados ainda não estão fechados, mas a confirmar-se o que foi sendo noticiado, os números podem ter aumentado.
Este ano, o preço do alojamento no Algarve, destino querido em território nacional, registou um aumento de entre 5% e 10%, segundo os responsáveis da hotelaria. Valores incomportáveis para grande parte dos portugueses, mas que continuam a garantir uma ocupação a rondar os 90% graças aos estrangeiros. Na região do Douro, o preço médio da noite em unidades hoteleiras de três ou quatro estrelas fixou-se em redor dos €300 e se tentasse marcar uma semana em hotéis de cinco estrelas, não raras vezes lhe dariam orçamentos de cinco dígitos, para uma família de quatro pessoas. E isto só incluindo alojamento e pequeno-almoço.
É claro que, ao mesmo tempo que muitos portugueses não tiveram outra opção senão a de passar férias em casa – ou em alojamentos de família e amigos, se tiverem esse privilégio –, as redes sociais e a imprensa da especialidade explodiam de alegria com os veraneantes de 2024: o ator Richard Gere de férias nos Açores, com a família; os pilotos de Fórmula 1 Max Verstappen e Lando Norris a passearem pela Comporta com os amigos e as namoradas; a modelo Mariana Goldfarb a tirar fotografias em cada praia nacional; a princesa Eugenie da Grã-Bretanha a passear com os filhos… A nata das celebridades internacionais faz disparar os alarmes positivos dos gastos de estrangeiros, anima os organismos oficiais de Turismo e, naturalmente, as empresas de hospitalidade que a recebem. Tudo boas razões para se continuar a subir o preço – mesmo que o serviço tenha decaído para níveis que, em muitos lugares, deviam envergonhar as administrações. Entretanto, os portugueses são cada vez mais remetidos para um lugar de uma espécie de “cidadãos de segunda categoria” no país onde vivem, trabalham e pagam impostos, durante todo o ano.
Que quase 40% das pessoas não tenham capacidade para pagar uma semana – em 52! – de férias por ano para desfrutarem com a sua família devia preocupar-nos a todos, porque é mais um sinal de que algo está muito errado num país que se diz desenvolvido. Sobretudo quando esse mesmo país se congratula por ser a escolha de estrelas do cinema, da televisão ou do desporto. Quando é que deixámos de ter direito a aproveitar aquilo que o nosso pequeno retângulo à beira-mar plantado tem de melhor? E até quando vai durar esta cegueira de governantes e de empresários em relação ao seu contributo para o aumento de uma desigualdade que tanto criticamos noutras nações pelo mundo fora?
É natural e expectável que nem todas as pessoas possam ter acesso à totalidade das opções para umas férias descansadas. Mas ignorar que existe quem não pode sequer pagar uma semana fora de casa porque Portugal agora só tem preços para turistas que nunca fizeram contas à vida parece-me apenas falta de respeito. E, como sempre na História, talvez fosse importante recordar que ela se repete. No dia em que os estrangeiros encontrarem outro destino para passear, talvez os portugueses já tenham desistido de aproveitar Portugal.
OUTROS ARTIGOS DESTE AUTOR