O primeiro-ministro, Luís Montenegro, ataca a rentrée com três medidas, anunciadas na Festa do Pontal, o evento anual do PSD que, a meados de agosto, no Calçadão de Quarteira, costuma agitar a agenda política do verão. Os trabalhos de Montenegro, que aí vêm, são exigentes, mas, das três iniciativas anunciadas, há uma, o suplemento a pagar aos pensionistas, que visa “entalar” o PS, “proibindo” os socialistas de discordar de um “bodo” tão inesperado quanto extemporâneo (este tipo de prestação social, por ser extraordinária, costumava fazer-se em tempos extraordinários, como os da pandemia ou do surto inflacionista). Na verdade, as outras duas medidas, um passe único de 20 euros para andar de comboio e a abertura de novas vagas de Medicina em duas universidades que ainda não tinham o curso, destinam-se mais a embrulhar o pacote – para não parecer que tudo se resume a uma medida eleitoralista destinada aos reformados – do que a produzir verdadeiros resultados práticos. Com efeito, o passe é redundante: quem precisa de andar de comboio já dispõe de um passe e, no caso do passe único, válido para outros meios de transporte. Não vai tirar uma “segunda via”. E quem usa serviços como o Intercidades – ou, pelo menos, a maioria dos seus utilizadores – fá-lo de forma não quotidiana, e mais vale tirar bilhete. Relativamente às vagas de Medicina, é uma medida que ainda tem de passar por várias fases – António Costa, em tempos, anunciou esta mesma iniciativa… –, nomeadamente, a aprovação dos cursos: em que condições são ministrados e quem os administra? Sendo que só produziria efeitos, na oferta de clínicos, daqui a uma década. De qualquer modo, mesmo que isto não avance, ninguém vai lembrar-se da promessa. Esqueçam: não é isso que vai resolver os problemas imediatos do SNS. De forma que o suplemento extraordinário, anunciado para outubro, para as pensões mais baixas, que vai dos 100 euros, para as “mais altas das mais baixas”, até aos 200 euros, para as mesmo baixas, é uma medida imediata e visível, que pretende produzir resultados a curto prazo. Não é um aumento de pensões, mas uma prestação “one shot”, única, tirada da folga que o Governo de Montenegro dizia que Medina não tinha deixado (custa 400 milhões)… Já tínhamos percebido, na campanha eleitoral, que estava aberta “a caça ao pensionista” (uma numerosa faixa da população que tende a votar e não a abster-se), numa luta desesperada entre o PS, que julga ter ali uma coutada eleitoral exclusiva, e o PSD, que pretende recuperar a mesma coutada que, antes dos cortes de Passos Coelho, já tinha sido sua. Assim, a jogada de Montenegro procura atingir dois objetivos: primeiro, demonstrar aos pensionistas que as “declarações de amor” em campanha têm sequência, mesmo quando já se obteve o prémio (o Governo). Segundo, precaver o futuro próximo, não vá o Orçamento ser chumbado e o País ser precipitado em novas eleições.
O argumentário posterior ao anúncio da medida, nomeadamente a troca de (demagógicas) acusações entre o primeiro-ministro em exercício (Paulo Rangel substitui Montenegro nas férias) e Pedro Nuno Santos, comprova toda esta novela de faca e alguidar: Pedro Nuno acusa o Governo de enganar os pensionistas – queria ver-se era um aumento sustentado das pensões! – e Rangel fica “chocado” por o PS “discordar” [sic] desta medida de carácter social. No final, o que interessa é que quem tem pensões baixas terá um pequeno alívio – o resto são jogos florais.
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