Durante duas semanas, aproximadamente, vibramos com a dedicação, o trabalho e o talento de mais de 10,000 atletas a competir nos Jogos Olímpicos de Paris 2024, que decorreram de final de Julho até dia 11 de Agosto.
O lema Olímpico – “mais rápido, mais alto, mais forte” – introduzido em 1924 nos Jogos Olímpicos realizados nesse ano em… Paris, foi inicialmente criado (proposto) por Pierre de Coubertin, em 1894. Esta personagem é absolutamente incontornável para a importância dos Jogos Olímpicos, tendo sido responsável pela sua “recuperação” (dos idos Jogos Olímpicos da Antiguidade) e implementação até terem o impacto que reconhecemos. Co-fundador do Comité Olímpico Internacional (IOC), de Coubertin era um amante do desporto, da competição, sempre tendo em atenção a tradição. Garantiu, nomeadamente que os primeiros jogos Olímpicos realizados sob a organização do IOC decorreriam na Grécia (afinal, o berço dos antigos Jogos). O lema divulgado e fomentado por de Coubertin – “o mais importante nos Jogos Olímpicos não é ganhar, mas participar, assim como na vida o mais importante é a luta e não o triunfo. O essencial não é conquistar, mas sim lutar bem, bravamente”-, pretendia promover a prática de desporto e a competição desportiva como forma de aproximar os povos e as diferentes crenças e também promover a saúde. Ao assistirmos os Jogos Olímpicos, percebemos que a competição entre quem participa é evidente, mas inúmeras demonstrações de solidariedade e de “fair play” entre atletas demonstram, passados mais de 100 anos desde a realização dos primeiros Jogos “modernos”, que o espírito de Pierre de Coubertin está bem presente.
Mas, sendo estes artigos sobre cancro, que tem tudo isto a ver com o cancro ou com processos envolvidos no desenvolvimento ou progressão do cancro? Na verdade, do ponto de vista celular e molecular, o desenvolvimento de um cancro envolve um processo reconhecido há anos como incontornável, denominado “competição celular”. Imaginemos células epiteliais (presentes em vários órgãos, como o epitélio mamário, o pulmonar, o gástrico), onde um pequeno conjunto de células acumulou determinadas alterações moleculares levando à activação de um “oncogene”, cuja acção resultará na multiplicação dessas células, entre outras alterações. Esse processo, de transformação maligna de células normais, é amplamente conhecido. Mais recentemente, percebemos que o comportamento celular incide bastante na competição entre células. Competidoras, afinal.
Na verdade, há uns anos vários cientistas observaram que células que virão a originar um cancro têm a capacidade, num epitélio, de literalmente expulsar células normais, ocupando o seu lugar. Várias alterações moleculares e metabólicas estão associadas a este fenótipo competitivo, e agressivo, de células que originarão um cancro. O que se verifica é que estas células precursoras de cancros são mais capazes para o espaço e recursos do local onde estão, e – porque se dividem mais que as normais – acabam por substituir na totalidade o epitélio normal por um epitélio maligno, originando um cancro.
Perceber o que está subjacente a esse comportamento celular agressivo de competição por recursos e espaço, é assim uma área importante de investigação. Para já, procuram-se os sinais que permitam identificar e destruir aquelas células que poderão expulsar as vizinhas, para restaurar o epitélio com células normais.
Não poderemos repetir o lema Olímpico implementado por Pierre de Coubertin, mas o que observamos é que de facto, pelo menos nos cancros com origem em epitélios, as células com capacidade de formar um cancro são melhor adaptadas e mais capazes de competir por nutrientes (glucose, lípidos) quando comparadas com as suas células vizinhas, ditas normais. Se existissem Jogos Olímpicos Celulares, certamente levariam para casa algumas medalhas de ouro.
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