200 dias depois, António Costa foi ouvido, no DCIAP, a propósito do processo Influencer, onde era citado como suspeito do crime de prevaricação. Ao que se sabe, o tema da prevaricação nem sequer foi referido na audição. Segundo a explicação do DCIAP, Costa foi ouvido na qualidade de “declarante” e o facto de não ter sido constituído arguido é sinal, segundo todos os penalistas e outros especialistas jurídicos consultados, entretanto, pela comunicação social, de que não há motivos para continuar a ser considerado suspeito. E que o mais certo é que o caso contra ele seja arquivado. E que ficará livre, talvez, ainda a tempo de assumir a candidatura à presidência do Conselho Europeu – uma nomeação que, diga-se, não depende apenas dele, mas dos resultados das eleições europeias e dos arranjos em Bruxelas.
Uma investigação desencadeada pelo Ministério Público não implica que tenha de haver uma acusação nem, sequer, um julgamento. Se há motivos para investigar, o MP deve fazê-lo, até que chegue a uma conclusão, que pode ser, legitimamente, a do arquivamento. O problema, neste caso, é o facto de transparecer, nesta suspeita sobre Costa – e naquele parágrafo que o “demitiu” – uma incrível ligeireza, em que o MP ignorou completamente o mundo à sua volta: um governo de maioria absoluta que cai, o País precipitado numa crise política e em eleições. Dir-se-á que a Justiça não tem de pensar na política. Isto só seria verdade se assumíssemos que os seus agentes não dispõem de uma qualidade chamada “bom senso”. As autoridades judiciárias têm obrigação de prever as implicações e, à medida que as consequências previsíveis forem mais graves, as suas suspeitas – antes de publicitadas – devem ser mais blindadas. O erro não está tanto na investigação, ou nas suspeitas – pelos vistos, infundadas – do MP, mas na publicidade dada, a destempo, naquele parágrafo. O momento do anúncio público é importante. Um anúncio destes, que envolve um primeiro-ministro, deve ser cirúrgico, baseado em factos sólidos.
Aliás, nesta investigação, há outros dados misteriosos. Há quem diga que Costa teria sempre de se demitir, a partir do momento em que foi encontrado um montante significativo de dinheiro vivo na sala de trabalho do seu chefe de gabinete. Ora, não há notícia de ter sido iniciada qualquer investigação ou levantado qualquer processo sobre esse dinheiro, cuja existência terá sido, portanto, explicada e regularizada, nomeadamente, em sede fiscal. Sobre isso, o MP fechou-se em copas, deixando adensar a ambiguidade e a suspeita. Toda esta história nos permite tirar duas conclusões: primeira, o Ministério Público não tem liderança nem coordenação. É que não compete aos procuradores, absorvidos que estão na investigação de factos e suspeitas, ter a visão de conjunto que deve ser o pelouro da chefia; segunda, os fundamentos de certas investigações surgem sem “edição”, isto é, sem uma reflexão crítica, que terá de ser de Lucília Gago, sobre a sua pertinência (como considerar-se “recebimento de vantagem indevida” quando alguém paga a conta de um almoço de trabalho, ou, neste caso, achar que por um suspeito citar o nome do primeiro-ministro, numa conversa, este também passa a ser suspeito). A democracia precisa de um Ministério Público forte, profissional e independente. Não precisa de uma estrutura judiciária… influencer. E, muito menos, em autogestão.
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