Tenho referido frequentemente o impacto que o cancro tem dada a elevada (e crescente) incidência e a consequente mortalidade. Tenho também referido a importância que a investigação científica tem ao contribuir para uma melhor e atempada deteção do cancro, o seu seguimento e o desenvolvimento de melhores terapias. Os contributos da investigação científica têm sido, inquestionavelmente, decisivos para a diminuição da mortalidade causada por vários tipos de cancro. A mudança do paradigma “um tratamento para um tipo de cancro” para “um tratamento para aquele cancro daquela pessoa”, denominado por terapia personalizada (dirigida), alterou por completo a forma de tratar e de encarar vários tipos de cancro considerados incuráveis até há poucos anos. Incluo aqui o cancro da mama triplo negativo, o cancro do rim, alguns tipos de cancro do intestino, entre vários exemplos.
No entanto, com o aumento da incidência global de cancro, o desafio mantém-se: continua necessário descobrir melhores métodos de diagnóstico e tratamentos mais eficazes e menos tóxicos.
Neste artigo menciono números que refletem esta necessidade de compreender (investigar), detetar e tratar melhor o cancro e que evidenciam a vantagem económica de o fazermos.
O medicamento mais rentável (mais vendido, em receita) a nível mundial é, na verdade, um medicamento que atua como imunoterapia, bloqueando os mecanismos que limitam/controlam a resposta imunitária, que se revelou extremamente eficaz no tratamento de diferentes tipos de cancro, nomeadamente o cancro da mama triplo negativo e subtipos de cancro do pulmão
O impacto negativo meramente económico do aumento de casos de cancro traduz-se de diferentes formas: menos horas de produtividade (trabalho) dos pacientes e suas famílias e uma pressão importante sobre os sistemas de saúde (públicos ou privados). Tudo isto, sem ignorar os efeitos ao nível da saúde mental e da insuportável perda de vidas.
Estudos recentes sugerem que em 2023 terão sido investidos cerca de 250 mil milhões de dólares americanos no diagnóstico, tratamentos, e cuidados de saúde relacionados directamente com casos de cancro. A estes teríamos que somar o impacto negativo mencionado anteriormente. Reduzir a incidência de cancros evitáveis, como discuti em artigos anteriores, é uma necessidade e uma urgência.
Mas reforço: melhores métodos de diagnóstico e de tratamento são necessários. A forma de os atingir: apoiar mais e melhor investigação científica. Esse “exercício” de investimento na investigação biomédica para o bem-estar das populações é, felizmente, prática corrente na maior parte dos países.
Investir na chamada “investigação fundamental” é aumentar a probabilidade de encontrar mecanismos e alvos moleculares mais específicos, o que aumentará certamente a nossa compreensão do cancro e capacidade de criar tratamentos mais eficazes. Verificamos que países como os EUA, líderes mundiais em vários domínios da investigação biomédica e nomeadamente na investigação do cancro, investem progressivamente mais em investigação “fundamental” (o orçamento de 2023 contempla mais de 40% dos recursos públicos investidos neste tipo de investigação, a maior fatia), exemplo que devia ser seguido por todos. Por outro lado, a investigação “aplicada”, destina-se a transferir o conhecimento para aplicações mais próximas dos pacientes. Para esse tipo de investigação, o envolvimento de empresas farmacêuticas (no caso da investigação biomédica) é essencial, diminuindo o impacto orçamental ao nível do financiamento público.
Este envolvimento das empresas farmacêuticas contribui para que a investigação fundamental (que decorre fundamentalmente nas universidades e institutos de investigação) tenha uma tradução eficaz e resulte em melhores diagnósticos e tratamentos para os doentes com cancro.
Por outro lado, a descoberta de melhores e mais eficazes medicamentos para tratamento do cancro gera um negócio altamente rentável que tem impacto financeiro importante. Breves exemplos: 3 dos 10 medicamentos que lideram o top de vendas a nível mundial, em 2023, foram gerados para tratar diferentes tipos de cancro. O medicamento mais rentável (mais vendido, em receita) a nível mundial é, na verdade, um medicamento que atua como imunoterapia, bloqueando os mecanismos que limitam/controlam a resposta imunitária, que se revelou extremamente eficaz no tratamento de diferentes tipos de cancro, nomeadamente o cancro da mama triplo negativo e subtipos de cancro do pulmão. Outros exemplos presentes no top 10 dos medicamentos mais rentáveis incluem bloqueadores do processo de formação de vasos sanguíneos (“angiogénese”), inicialmente descoberto como alvo terapêutico para controlar o crescimento tumoral (estes medicamentos têm eficácia no tratamento de cancros do rim e do intestino, por exemplo) e que tem efeitos benéficos no tratamento de doenças oculares; um bloqueador do CD38, uma terapia baseada no reconhecimento imune de células de mieloma múltiplo, uma doença hematológica agressiva, e da sua eliminação através de uma molécula presente na sua superfície. Juntas, estas três terapias (e poderia mencionar muitas mais) representam uma despesa de mais de 40 mil milhões de dólares americanos, só no ano de 2023.
Esta relação mutualmente benéfica, entre a investigação académica, a descoberta de alvos terapêuticos e a comercialização de fármacos dirigidos a esses beneficia os investigadores, as empresas farmacêuticas e os seus clientes, os clínicos e, fundamentalmente, os doentes com cancro.
Com uma incidência crescente (1 em cada 8 mulheres em Portugal poderá vir a desenvolver cancro da mama durante a sua vida) mesmo nas populações mais jovens, e uma mortalidade que teima em ceder, a investigação do cancro continua a ser necessária, indispensável. Mais e melhor ciência, precisa-se.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.