“A paz, o pão, habitação, saúde, educação” – eis uma receita de sucesso quando se quer ter “liberdade a sério”. Está tudo plasmado na mais icónica música de intervenção de Sérgio Godinho, que, hoje em dia, nestes pontos (embora não noutros, que também fazem parte da letra…), qualquer um de nós, da esquerda à direita, poderia subscrever. Só que não: no limiar dos 50 anos de democracia, o que parecia firme como uma parede de betão está a estalar como cimento velho. A engenharia mecânica explica-o pela fadiga dos materiais, fenómeno que, de forma alegórica, pode estar a afetar o regime, no seu meio século: trata-se de um processo de “rutura progressiva de materiais sujeitos a ciclos repetidos de tensão ou deformação”. Tal qual o SNS, a falta de professores ou a crise da Habitação: a democracia sofre de fadiga dos seus materiais. E o que fazer para reverter isso?
As manifestações (e alguns tumultos) a que assistimos no sábado passado, pelo direito à Habitação, são uma das três pontas do nó górdio que o Governo não consegue desatar; as outras são o iminente colapso do Serviço Nacional de Saúde (SNS), perante a greve guerrilheira, e um tanto ou quanto à la carte, de incumprimento, por muitos médicos, de horas extraordinárias, para além das 150 anuais obrigatórias (tornadas ainda mais necessárias depois de, em 2016, o PS ter voltado a reduzir de 40 para 35 horas o horário de trabalho nos hospitais…), e o impasse na Educação, que se arrasta ano após ano, com professores descontentes, desmotivados e cada vez mais agressivos nas suas formas de luta. Nesta semana, o Executivo poderá ter obtido algum consolo na subida, ao nível A, do rating da dívida da República e da queda, em agosto, do desemprego, para níveis históricos. E o que é que isso adianta? Quando, supostamente, não havia Educação, Saúde ou Habitação e a liberdade estava muito longe de ser “a sério”, ou seja, nos tempos do marcelismo que antecederam a crise petrolífera de 1972, o País crescia a uma velocidade constante. E também nesse tempo, isso em pouco beneficiava as pessoas.