A construção e imobiliário em Portugal, representando mais de 50% do investimento e contribuindo para mais de 10% do emprego e 15% do PIB, é um dos mais importantes drivers da economia, ultrapassando setores como os do turismo, retalho e financeiro.
Não obstante, é um setor que se destaca pela sua fragmentação e volatilidade; pela pressão de custos e prazos, acentuada cada vez mais com o défice de mão-de-obra; e pela complexidade e diversidade da cadeia de valor, composta por agentes com diferentes propósitos e níveis de formação e qualificação (desde o dono da obra a projetistas, consultores, empreiteiros, subempreiteiros, fiscalização, entidades licenciadoras e reguladoras, etc.).
Neste sentido, existe uma natural propensão a conflitos, frequentemente derivados de: transferência de erros de projeto (arquitetura e engenharias) para os empreiteiros, que poderão procurar compensar prejuízos com trabalhos a mais ou redução de custos, comprometendo por vezes a qualidade pretendida; ausência ou inadequação de procedimentos de controlo de qualidade e segurança; deficiências na comunicação e colaboração, baseada normalmente em métodos arcaicos; e, sobretudo, insuficiência, ambiguidade ou incumprimento de especificações e requisitos contratuais.
Mostra-se que a maioria dos conflitos na construção resultam de problemas na comunicação e interpretação do âmbito e responsabilidades, assistindo-se repetidamente não só a insuficiências contratuais, mas a leituras e atitudes mal-intencionadas ou até à negação de factos por meio de mecanismos de psychological defence para preservar a auto-estima dos visados.
A gestão de contratos desempenha assim um papel crucial na eliminação ou mitigação de potenciais problemas que impactam na performance dos projetos (e.g. atrasos, sobrecustos ou defeitos de qualidade), ao permitir não só definir responsabilidades e obrigações, metas e critérios, e mecanismos de controlo, mas, previamente, selecionar as melhores entidades para a execução dos contratos.
Neste contexto, o processo de seleção de fornecedores e prestadores de serviço (e.g. projetistas, consultores, empreiteiros), que deve privilegiar os princípios da transparência, justiça e eficiência, é de fundamental importância. Enquanto a contratação pública é regida pelo Código dos Contratos Públicos (CCP), a contratação privada não tem regulação específica, embora possa recorrer a regras do setor público para definir requisitos. O CCP, baseado em diretivas europeias, é aplicável em Portugal, a vários setores de atividade, além da construção, desde 2008 (por força do decreto-lei nº 18/2008), e pretende salvaguardar o dinheiro dos contribuintes criando condições para adjudicar contratos públicos aos proponentes mais competitivos.
A adjudicação de projetos e obras, em geral, no domínio público, deve assim atender ao critério da proposta economicamente mais vantajosa, adotando a modalidade multicritério (e.g. preço, prazo, qualidade, ambiente e segurança, dependendo do objeto do contrato a celebrar) ou monocritério (preço), deixando a escolha ao desígnio da entidade contratante. Por condicionantes de complexidade, morosidade, e, sobretudo, falta de conhecimento e capacidade administrativa, opta-se frequentemente pelo critério do preço mais baixo, desprezando-se dimensões, ao nível do candidato (e.g. organização, qualificação e experiência) e da proposta (e.g. sustentabilidade ambiental e social), relevantes para o sucesso do contrato, a curto, médio e longo prazo. Esta última realidade, infelizmente, é verificável também no setor privado.
Para suportar e facilitar a decisão com base em análises multicritério pode recorrer-se a abordagens sistemáticas e estruturadas, já amplamente testadas, que permitem lidar com problemas complexos de forma mais simples, objetiva, transparente e informada, mitigando a influência de enviesamentos como o “hallo effect” (sobre ou subvalorização global com base em características particulares), “availability bias” (sobrevalorização a partir do que mais facilmente nos lembramos) ou “confirmation bias” (seleção particular de evidências para confirmar aquilo em que acreditamos). Em geral, os decisores preferem dar informação qualitativamente, mas recebê-la quantitativamente, o que não é fácil de gerir, pelo que métodos de análise de decisão como o MACBETH (Measuring Attractiveness by a Categorical Based Evaluation Technique), construídos considerando esta condicionante, são uma opção válida e recomendada.
A aplicação destas metodologias requer, contudo, know-how especializado, não só para a estruturação do problema, mas também para a construção e validação do modelo de decisão, da maneira mais lógica, certa e consensual possível, envolvendo ativa e colaborativamente os stakeholders chave. Por exemplo, em concursos de empreitada de obra pública recorre-se por vezes a consultoria técnica para suportar a comissão de avaliação.
A utilização de mecanismos de decisão que permitam reduzir o risco e a incerteza é crucial para o sucesso da gestão de contratos de construção, desde que adotados também os modelos de contratação e os requisitos (âmbito e responsabilidades) mais adequados. Casos como o Reino Unido, Nova Zelândia e EUA destacam-se por já desde há mais de 20 anos terem avançado com iniciativas relacionadas com a promoção de modelos de decisão e de contratação de projetos e obras para possibilitar mais transparência e justeza e melhor gerir as relações e interfaces entre os diversos intervenientes.
São medidas necessárias também a revisão do CCP e de outra legislação relevante, com impacto na contratação pública, mas também privada, incentivando à análise de decisão multicritério, suportada por modelos que reflitam os objetivos, valores e preferências de interesse público e/ou privado.
Não obstante, o papel do dono da obra, enquanto entidade contratante, é determinante, dado que o mesmo, no final do dia, é que decide sobre modelos e requisitos de avaliação e contratação e, acima de tudo, sobre quem vai ser contratado. O cliente deve investir, o mais cedo possível, em formação especializada e capacidade administrativa ou serviços de assessoria para garantir uma adequada preparação, seleção, adjudicação, contratação e execução do contrato, sabendo que isso permitirá reduzir conflitos e proporcionar um melhor value for money no médio e longo prazo.
As consequências de uma má decisão podem ser significativamente desfavoráveis em termos económicos e reputacionais, ao nível dos intervenientes, dos projetos e das empresas, principalmente mediante situações de conflito, tendencialmente morosas, custosas e desgastantes para as partes, onde, no final, de uma maneira ou de outra, todos saem a perder, em particular o cliente.
Antes de pensar, sentimos, e como tal naturalmente tendemos a decidir com base em intuição e análises subjetivas, cujos potenciais efeitos negativos, embora impossíveis de eliminar completamente, podem ser atenuados recorrendo a modelos e aplicações de análise de decisão. Posto isto, será de questionar: “qual o custo de uma má decisão?”
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