Ignorar as grandes efemérides é mau: desvanecem-se lições, recuamos na aprendizagem. Em 2018, foi ignorado o centenário da pandemia de 1918 e fez-nos falta. Por razões inversas, não podemos deixar acabar 2022 sem celebrar e refletir nos 100 anos de uso terapêutico da insulina. É uma marca de um sucesso científico assinalável, que permite aferir o quanto dependemos do conhecimento que só a Ciência permite alcançar e o quanto ela representa na solidariedade entre gerações.
Se me pedirem um exemplo do sucesso do contributo da Ciência para o progresso da Humanidade, tenho dificuldade em selecionar. Desde os antibióticos e das vacinas até à consciência ecológica, os exemplos são abundantes. Mais do que um aumento crescente da longevidade humana, devemos à Ciência a consciência e a visão do mundo em que vivemos, no espaço e no tempo.
Em 2022 passa uma efeméride de um sucesso científico de valor inestimável: em 1922, a primeira vida humana foi salva pela insulina.
Há 100 anos, o bioquímico James Collip conseguiu purificar um extrato de pâncreas de animais, que foi usado pela primeira vez em humanos. Leonard Thompson, uma criança de 14 anos, tornou-se a primeira pessoa a sobreviver à diabetes tipo I. Desde esse momento, até hoje, decorreu um século de esforços intensos de muitos milhares de cientistas anónimos para entender a natureza física e química da insulina, a sua ação fisiológica e o seu uso farmacológico.
Foram 100 anos de benefício crescente para milhões de pessoas cuja vida se deve, dia após dia, a uma injeção de insulina. Estima-se que a insulina já tenha salvado várias centenas de milhões de vidas e a contagem cresce a grande ritmo.
O uso de insulina tornou-se tão banal quanto a diabetes. Tal como não devemos subestimar o problema que a diabetes representa, apesar da sua aparente banalização, também não devemos esquecer a solução que a insulina constituiu. A celebração dos sucessos não é só justa para todos os que, no passado, dedicaram a sua vida, como formigas de laboratório, a trabalhar em soluções que serviram as gerações seguintes, como é um tónico para todos os que assim continuam a fazer hoje para as gerações futuras.
Tudo começou com os extratos de insulina de animais, depois as insulinas de produção biotecnológica, depois as insulinas modificadas para ações mais rápidas ou mais lentas; seguir-se-á a insulina de toma oral e, provavelmente, insulina de resposta à glicemia ou terapias celulares da diabetes. O futuro está em construção.
Não sabemos ao certo o que o futuro trará, mas sabemos que, se o curso da ciência não for interrompido, não ficaremos por aqui. O ritmo dos avanços não é célere, mas o seu legado fica para sempre. Ciência e dormência rimam, mas são a antítese uma da outra. É dever dos povos e das nações não quebrar a cadeia de solidariedade com a geração seguinte e persistir no esforço do avanço científico.
Países que abandonam a Ciência à mercê da dormência ficam afastados dos créditos dos grandes avanços da Humanidade e quebram a cadeia de solidariedade com as gerações que estão para vir.
E em Portugal, quando seremos resgatados desta dormência que persiste, sem fim à vista?