Entre os músicos, os cantores, os artistas, gosto dos que estão em palco sossegados. O Mark Knopfler, o Chico Buarque, o Rui Veloso, o Bob Dylan, o João Gilberto, a Mafalda Veiga, o António Zambujo. A arte popular que brota destes meus heróis e heroínas resulta de uma natureza mais contemplativa, amadurecida ao longo de muitas horas, anos, vidas, enfiados em quartos a desenvolver uma natureza diametralmente oposta à natureza de querer estar no palco. Todos estes artistas que eu amo estão em palco como quem não quer estar lá, como quem preferia estar a fazer aquilo sem ninguém a olhar. Também venero o Freddie Mercury, o Mick Jagger e o Axl Rose, mas não me senti (ou sentiria, nos casos do Freddie e do Axl que nunca vi) confortável nos respetivos concertos. Eu não tenho uma relação física com a música, não danço, não salto, não tenho essa relação das vísceras e da pele com música. Num concerto dos Rolling Stones sinto o mesmo desconforto, medo até, que sentia em criança nas festas de Natal da Araújo e Sobrinho no Teatro Carlos Alberto durante as performances do palhaço. É o pânico de ter de participar de forma ativa naquele momento de êxtase e comunhão. O medo até de, por qualquer razão, ser chamado ao palco. Duvido que o Axl Rose me tivesse chamado ao palco, no Estádio de Alvalade em 1992, mas nunca fiando. Esse pesadelo aconteceu-me em 2002, num espetáculo cómico a que fui assistir, chamado Cócegas, num teatro no Rio de Janeiro. De tanto fugir com o olhar, de tanto emanar essa vibração aflita de quem não quer ir para o palco, fui mesmo convocado pela atriz que me topou a léguas no meio de centenas de pessoas. Por isso afino com quem não aprecia o (para mim) óbvio desconforto de estar debaixo das luzes. Pessoas recatadas em palco emitem uma espécie de energia em sinal negativo, como se fossem aspiradores que sugam para si pessoas como eu. Daí as salas cheias. Os exuberantes exercem em mim uma energia fortíssima de sinal positivo, como se fossem compressores que expelem para fora de si com toda a força e me afastam, afastam os meus. Ainda assim os estádios cheios de gente aos saltos, gente que não eu, pessoas que nunca hei de entender, pessoas cujos astros e as estrelas não se cruzam com os meus. Confidenciaram-me coisas maravilhosas alguns dos artistas que elenquei no primeiro parágrafo. “Simplesmente não me imagino num palco”, disse-me um à saída do palco de uma sala com milhares e milhares de pessoas a aplaudir em êxtase. “Canto de olhos fechados e vou para sei lá onde, mas depois vêm as palmas e estragam tudo.” Quanta sensibilidade nestas coisas. Dizia o Tom Jobim que uma criança saudável, normal, nunca trocaria um futebol de rua pela penumbra dum piano num quarto duma casa. Uma criança enfia-se no quarto a tocar guitarra para sempre. Outra pede para cantar e dançar nos anos. Quanta ironia nisto: é a primeira que provavelmente irá acabar em cima dum palco.
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