Em junho de 2019, os Presidentes de Câmara de dez cidades europeias escreveram uma carta aberta à recém-eleita Comissão Europeia a pedir ajuda para enfrentar as consequências negativas do Airbnb e de outros sites de alojamento local. Essas plataformas, argumentaram, tiveram um efeito nos preços do mercado de habitação e transformaram os centros das suas cidades em dormitórios turísticos.
O Presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML) não figurou entre os subscritores, possivelmente porque, nessa altura, a cidade já se encontrava no sétimo mês desde a implementação de restrições ao alojamento local. Com efeito, em novembro de 2018, o município tinha proibido novos registos de imóveis no mercado de arrendamento de curta duração em alguns bairros históricos. Este é um passo obrigatório para anunciar o imóvel nas plataformas online.
Os World Travel Awards elegeram Lisboa como World’s Leading City Break Destination em 2017, 2018, 2019 e 2020 e a cidade atingiu as cerca de 11 milhões de dormidas em 2019, mais de 20 vezes a sua população residente. Para isso, muito contribuiu o alojamento local. A Airbnb afirma que seus os utilizadores geraram 2,3 mil milhões de euros de impacto económico direto e cerca de 10 milhões de euros de imposto turístico à CML só em 2018. Ao mesmo tempo, o mercado imobiliário na capital mudou radicalmente. Entre o primeiro trimestre de 2016 e o último de 2019, o preço médio dos imóveis por metro quadrado aumentou mais de 70%. Para além disso, e segundo o FMI, o custo das rendas mais do que duplicou entre 2013 e 2018.
Num primeiro artigo científico escrito em co-autoria com Duarte Gonçalves e Susana Peralta, aproveitamos a proibição implementada pelo município de Lisboa para estimar o impacto causal da regulamentação do arrendamento de curto prazo. Contamos com o facto de a proibição ter sido alargada, um ano depois, a algumas áreas adjacentes para definir uma área de comparação.
Os resultados documentam um aumento de 30,9% de novos registos nos bairros onde foi originalmente imposta a restrição, entre o momento do anúncio e a implementação da proibição. Este facto evidencia que o tempo que a lei demorou a entrar em vigor permitiu que os proprietários registassem os seus imóveis. Mesmo assim, e tendo em conta os dados retirados do site do Airbnb, percebemos que, no curto prazo, quer os preços quer a quantidade de imóveis oferecidos nesta plataforma não se alteraram substancialmente.
No que se refere ao mercado imobiliário, as restrições ao registo tiveram um impacto na diminuição da procura de casas nas zonas tratadas, em especial, de apartamentos T2, o que conduziu a uma contração de 20% nas transações face às zonas de comparação. Os preços diminuíram 8%, em termos relativos, mostrando que a opção de arrendamento no alojamento local é um importante determinante da procura nas zonas turísticas.
Num segundo artigo, que conta ainda com a co-autoria de Mafalda Batalha, analisamos o efeito, no curto prazo, da pandemia e da paralisação do turismo no mercado de arrendamento. As zonas centrais das cidades foram bastante afetadas pelo choque, ou porque o teletrabalho implica uma preferência por casas maiores, ou porque a Covid-19 tornou mais difícil desfrutar de comodidades como restaurantes e eventos culturais.
Os resultados do estudo mostram que, no mercado de arrendamento de longa duração, os preços caíram 4,1% nas freguesias com mais alojamentos locais no pré-pandemia, quando comparadas com as restantes freguesias de Lisboa, até ao terceiro trimestre de 2020. No mesmo período, a quantidade de imóveis disponíveis para o arrendamento de longa duração aumentou 20%.
Só os próximos meses dirão quais serão as tendências no mercado imobiliário pós-pandemia, bem como a eficácia das medidas tomadas mais recentemente pela CML (como o programa renda acessível). Uma coisa é certa: este é mesmo o momento, como refere o The New York Times, para debater e corrigir alguns dos excessos do passado.