A (re)eleição de António Guterres para secretário-geral da ONU, por unanimidade dos 193 Estados que a integram, é também uma honra para Portugal. E, além de honra, motivo de júbilo e oportuna reflexão. Esta lembrando como foi tratado por não poucos, no seu país, enquanto líder do PS e primeiro-ministro, o português agora de novo escolhido para o mais alto cargo da mais importante organização mundial.
Como líder do PS, sendo Cavaco Silva chefe de governo, Guterres foi muito criticado sobretudo por não fazer uma oposição forte, dura. E como primeiro-ministro, foi-o por uma sua alegada incompetência e indecisão em afundar o País no pântano. Ora, sem prejuízo de naturais e por vezes pertinentes críticas, tais acusações careciam de qualquer fundamento.
Não tenho dúvida, aliás, de ter sido Guterres o nosso mais “superdotado” primeiro-ministro, na diversidade de saberes e multiplicidade de matérias que dominava, e domina. Nem tenho dúvida de haver sido o líder do PS responsável pela mais importante e conseguida iniciativa do partido, no campo da reflexão/ação: os Estados-Gerais para uma Nova Maioria, que mobilizaram milhares de cidadãos, talvez na sua maioria independentes e figuras de relevo nas suas áreas, para debater grandes questões nacionais, produzindo interessante documentação e um raro “contrato de legislatura” – com muitos objetivos ainda por atingir e que era bom que o PS não esquecesse.
Desiludido e abatido, sem meios nem força anímica para mudar a situação como desejava, na sequência de um resultado negativo do PS nas autárquicas, demitiu-se. Mal, em minha opinião, como então escrevi. Demitiu-se, para gáudio dos que o consideravam e lhe chamavam, vejam lá, “picareta falante”, usando a pretensa piada, fácil e mentirosa, de quem também garantia a sua condenação à, para ele(s), devida eterna irrelevância!…
Viu-se. Vê-se. E de que maneira. Mas nem assim aprendem os que sobram desse tempo e os novos que agora os têm por mestres, lhes copiam os passos, lhes seguem o rasto. Se aqui trago este “exemplo” é pela sua atualidade – na política e no que sobre ela se escreve, continuam, por vezes agravadas, flagrantes injustiças de juízos; apreciações ligeiras, incompetentes ou de má-fé, em geral para obter certas vantagens, ser falado ou fazer falar; violações ou transigências éticas e deontológicas, tendo por inquestionável que ética e deontologia são essenciais na ação e na luta políticas.
De facto, o comum da política, em sentido amplo, está a um nível muito baixo. Com abundância de “casos” a que são dados o significado que não têm e o relevo que não merecem – e depressa passam, para voltarem se e quando der jeito. Sucedem-se insinuações, deturpações, acusações, incluindo ao nível interpartidário ou até pessoal, amiúde com falta de fundamento ou manifesto exagero. Ora, a continuar-se assim, cada vez menos cidadãos qualificados aceitarão intervir na política e ocupar cargos públicos. E nada serve mais as forças populistas, extremistas, antidemocráticas do que tais comportamentos. Será que políticos, comentadores e similares não o percebem? Ou será que a sua condenação de tais forças é mera retórica?
(Opinião publicada na VISÃO 1474 de 24 de junho)