A economia portuguesa é muito pouco diversificada para além dos setores ligados à construção (que movimenta toda a fileira do imobiliário, edifícios e infraestruturas, arquitetura e engenharia, equipamentos e materiais) e este destaca-se, assim, como um dos principais drivers económicos, principalmente agora com o impacto da pandemia sobre os ramos do turismo (comércio, alojamento e restauração). Isto deve-se a vários motivos, de entre os quais: problemas de escala, de know-how e de capital para sermos competitivos noutras áreas; os incentivos da União Europeia que normalmente impelem nesse sentido; do seu comportamento dependem ciclos eleitorais.
Não obstante, é possível identificar vários problemas sistémicos associados à construção e que tendem a não ser resolvidos ou mitigados. Ao nível do investimento: o excesso de carga fiscal e burocrática; falta de capacidade administrativa, justiça e estabilidade política. Ao nível da indústria: a elevada fragmentação e volatilidade do mercado; concorrência centrada no preço; falta de mão de obra especializada, formação e qualificação; falta de inovação; ineficiências ao nível da produtividade, qualidade e segurança.
Ainda assim, uma questão frequentemente esquecida, mas com custos de oportunidade muito significativos, associados a atos moralmente incorretos ou ilícitos que impactam a confiança e o desempenho na indústria, é a denominada ética e deontologia profissional.
A definição de um código de ética e conduta abrangente e consensual, pautado pelo moralmente correto para os diferentes tipos de interações e transações, é algo difícil de alcançar e gerir, requerendo-se sempre para esta matéria a identificação dos valores em conflito e a análise de diferentes argumentos, caso a caso. Tem havido, contudo, várias iniciativas dispersas neste sentido, ao nível de empresas, que implementam programas de ética, bem como de ordens profissionais, que estabelecem normas e regulação e, claro, da própria justiça que administra as leis. No final do dia está em causa a aplicabilidade e eficácia destas medidas que, em geral, se baseiam em princípios como integridade, respeito e responsabilidade.
Simplificadamente, este domínio resume-se ao alinhamento de interesses que movem o ser humano e seu potencial para conflito. Na construção podem destacar-se exemplos de conflito de interesses ao nível da segurança, saúde, ambiente e retribuições, em detrimento dos trabalhadores e da sociedade, até casos como o conluio em processos de concurso, quebras de confidencialidade, corrupção, suborno, défice de competências, e omissão de erros de projeto ou obra, em detrimento dos clientes.
Neste sentido, eventuais benefícios de curto prazo são facilmente superados por consequências de médio e longo prazo que podem implicar, além da deterioração da reputação e respetivo impacto no negócio, suspensão ou anulação de licenças, multas e, no limite, processos criminais.
As relações entre os vários intervenientes em projetos de construção são normalmente baseadas em contratos, que procuram reger o modo de atuação por meio de acordos, mas que ainda assim não são suficientes para evitar mais de 90% dos conflitos na indústria, cuja causa principal reside precisamente na comunicação e interpretação do âmbito e responsabilidades, naturalmente influenciada pelo interesse das partes. Neste sentido, assiste-se repetidamente não só a insuficiências contratuais, mas a leituras e atitudes mal-intencionadas ou até à negação de factos por meio de mecanismos de psychological defence que visam preservar a auto-estima dos visados.
Por exemplo, existe a tendência para desresponsabilizar erros de projeto (arquitetura e engenharias) e transferi-los para os empreiteiros. Por seu turno, os empreiteiros, comummente condicionados pela estratégia do preço mais baixo, procuram compensar prejuízos ou incrementar ganhos com trabalhos a mais e redução de custos em materiais e mão-de-obra, comprometendo por vezes a qualidade pretendida. No fim, quem perde é o cliente.
Embora o maior incentivo para fazer o que está certo é as pessoas perceberem e sentirem que a sociedade e as organizações funcionam melhor dessa forma, demonstra-se que quanto mais regras criteriosas, regulação e justiça houver, maior será o estímulo às boas práticas.
O desenvolvimento de processos de avaliação de risco e de procedimentos de controlo financeiros e não-financeiros aplicáveis a profissionais e empresas tem sido uma tendência crescente na indústria, mas que requer liderança, formação, certificação e monitorização, aceitando resultados alcançáveis apenas a médio e longo prazo, por redução de custos de oportunidade associados a penalizações e por valorização da identidade, imagem e reputação.
Finalmente, na essência, interessa saber o seguinte: seremos capazes de garantir a nossa integridade, privilegiando o bem comum, sob qualquer circunstância, mesmo quando “ninguém está a ver”?