1 – Vários assuntos de atualidade nacional podiam ser tema(s) deste breve comentário. Desde o congresso do Bloco de Esquerda à convenção do “bloco” de direita, e extrema-direita, para cuja possibilidade de formação tenta contribuir o MEL (Movimento Europa e Liberdade). A convenção do MEL, porém, pouco mais do que começou quando escrevo estas linhas. E sobre o congresso do BE anoto apenas que, ao contrário do que ouvi comentar, sem prejuízo de enfatizar as suas posições e de criticar com veemência muitas do Executivo, o BE tentou abrir as portas para um novo diálogo com o PS, deixou implícita a vontade de uma nova ponte entre os dois partidos. Assim, creio que, mesmo sem o reconhecer, o BE aprendeu com a lição, e as consequências, do voto contra o Orçamento do Estado. Espera-se que, por seu lado, o PS corresponda e não faça declarações que só dificultam o desejável bom relacionamento com o BE – e com todos os partidos democráticos, em particular o PSD.
2 – Deixando a espuma dos dias, quero lembrar e fazer justiça a duas figuras que ao assinalarem-se estes 45 anos da Constituição nunca a seu propósito vi referidas – e que para ela ser possível, e ser o que é, foram muito importantes. São os seus nomes, aliás, os que aparecem no fim do texto no Diário da República: Henrique de Barros, presidente da Assembleia Constituinte, que a elaborou, e Francisco da Costa Gomes, Presidente da República, que a mandou publicar.
Henrique de Barros (1904-2000) dirigiu os trabalhos da Constituinte com a qualidade, a firmeza e a finura próprias do homem e cidadão excecional que era. Professor catedrático de Agronomia, defensor esclarecido das causas da “terra” e do ambiente, quando isso ainda estava fora da agenda, bem como do ideal cooperativo, democrata de sempre, e por isso oposicionista mesmo quando Marcelo Caetano, casado com uma sua irmã, substituiu Salazar. O seu prestígio, a sua forma de ser, estar e dirigir, o respeito que todos lhe tinham, muito contribuíram para o resultado a que se chegou, e num tão curto prazo.
Quanto ao general, depois marechal, Costa Gomes (1914-2001), como chefe supremo das Forças Armadas e Presidente da República teve um papel único para as eleições para a Constituinte se realizarem, e a 25 de Abril de 1975, quando muitos, após o 11 de Março, as queriam adiar. Como o teve para que a Assembleia pudesse levar a bom termo a sua missão, o que não teria ocorrido sem a sua intervenção moderadora, tão hábil e inteligente como ele era. Ele, o chefe militar (e também matemático) mais brilhante e com melhores resultados, inclusive na Guerra Colonial, embora defensor da “paz” e de uma solução política para as colónias. Dando amiúde a sensação de tibieza, ambiguidade, equilibrismo, o que sempre tentou e conseguiu foi evitar uma “guerra civil”, resolver situações graves com o mínimo de danos e riscos para os objetivos essenciais prosseguidos. Se, por exemplo, no cerco à Constituinte tivesse ordenado uma intervenção militar, como alguns pretendiam, poderia ter sido o “fim”…
O País tem uma grande dívida de gratidão para com os dois. E foi no mínimo lamentável o centenário do nascimento de Costa Gomes não ter sido celebrado como se impunha.