Durante várias décadas, sobretudo a partir dos anos 80, a agricultura foi vista como um setor em declínio, ultrapassado e com pouca capacidade de atrair os mais jovens. Nada podia estar mais errado. Por isso mesmo, com muito trabalho, e sobretudo com a coragem e a resistência dos agricultores e das suas associações, foram estas ideias peregrinas que acabaram ultrapassadas. A agricultura, a floresta e o mundo rural voltaram a ser vistos como setores dinâmicos, empreendedores e cheios de oportunidades.
Mas como infelizmente os preconceitos perduram, ultimamente surgiram novos ataques contra a agricultura, desta vez sob a capa de preocupações ambientais, e mais uma vez começamos a ver cada vez com mais frequência os agricultores a serem retratados como inimigos do meio ambiente ou da sustentabilidade. Para já não falar do tratamento dado àqueles que se dedicam à pecuária ou que são caçadores. Não deixa de ser uma enorme ironia que sejam precisamente aqueles que realmente vivem no mundo rural, e consequentemente aqueles que melhor o conhecem e que mais o estimam, a verem-se confrontados com estas acusações e com crescentes ataques ao seu modo de vida.
Infelizmente, o Governo tem dado sinais perturbadores de embarcar nesta visão das coisas. Começou com o enfraquecimento do próprio Ministério da Agricultura, e com a passagem da tutela das florestas para o Ministério do Ambiente e da Ação Climática. Como muitos alertaram, é uma alteração que não tem nenhum sentido e que conduz a uma falta de visão de conjunto sobre o setor. Há cerca de um mês, em carta aberta ao Presidente da República, o presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal alertava para alguns factos que têm de nos fazer pensar: a execução medíocre do Programa de Desenvolvimento Rural das Florestas; a gravidade do problema, espelhada nos 855 mil hectares de superfícies rurais ardidas desde 2015 (o equivalente a 10% do território continental), a que se pode somar o facto de, em 2019, terem sido arborizados menos de 2 000 hectares.
Mas o ataque e a desagregação do Ministério da Agricultura não ficaram por aqui. A propósito de um trágico acontecimento em abrigos ilegais de animais em Santo Tirso, o Governo apressou-se a encontrar um bode expiatório. Desta vez foi a Direção-Geral de Alimentação e Veterinária, que tinha aliás sido a única instituição a realmente tentar pôr termo à situação inaceitável em que se encontravam aqueles animais. Indiferente aos factos, o Governo avançou na decisão de passar a tutela dos animais de companhia, incluindo os animais errantes, para o Ministério do Ambiente. Apesar dos inúmeros avisos e da forte oposição das organizações do setor e da própria Ordem dos Médicos Veterinários, Portugal avançou para uma solução praticamente única no mundo e que pode ter consequências imprevisíveis, graves e danosas. Convém lembrar que uma das principais funções da DGAV é precisamente a salvaguarda da saúde pública, e os planos de controlo e sistemas de alerta de doenças, nomeadamente as que podem ser transmitidas pelos animais aos humanos. É isto que a decisão do Governo está a pôr em causa.
Resta saber que outras decisões nos esperam a reboque desta agenda que até pode ser considerada por alguns como ambientalmente correta, mas que não deixa de estar cientificamente errada. Enquanto algumas forças políticas continuarem a não compreender que não há ambientalista mais eficaz do que um agricultor responsável, e não aprenderem que quem mais pode defender a Natureza é precisamente quem nela trabalha e quem dela vive, arriscamo-nos a continuar a ter decisões tomadas com a lente dos preconceitos urbano-moralistas que põem em causa todo o mundo rural.
(Opinião publicada na VISÃO 1464 de 25 de março)