A ideia de bloquear indefinidamente a conta de Donald Trump no Twitter e no Facebook é absolutamente errada. Errada porque hipócrita. Errada porque contraproducente. E errada porque perigosa. Mas vamos por partes.
Mesmo levando em consideração a impensável escalada de eventos desta semana, é muito difícil sustentar a tese de que os responsáveis pelo Twitter e pelo Facebook só agora acordaram para o facto de Donald Trump representar um perigo para a democracia americana. Se a ideia de bloquear as contas do Presidente fosse boa (não é, já o veremos), não teria sido preciso esperar até à 25ª hora para a implementar. A explicação para esta bravata é mais prosaica: o poder mudou e os ratos começaram a abandonar o barco.
Além de hipócrita, o silenciamento de Trump é contraproducente. Lá como cá (ou talvez cá como lá), os métodos populistas passam sempre (a cartilha é a mesma) por uma provocação deliberada que ultrapassa todos os limites da decência. A ideia, simples mas eficaz, é obrigar o adversário a reagir a quente, a ripostar com emoção, a cometer erros – sendo que o erro maior, o disparate mais primário, é sempre a tentação do silenciamento. É este, aliás, o pecado capital da nossa esquerda ao lidar com o furacão Ventura. A ideia de ostracizar, de ilegalizar, de erguer cordões sanitários, de bloquear, serve precisamente o propósito de vitimização que está na origem da necessidade de provocação permanente. O combate ao fenómeno tem de ser feito às claras, com tantas doses de firmeza como de frieza, no plano da estrita racionalidade. Só assim é possível expor contradições, só assim é possível desmontar argumentos simplistas, só assim é possível expor a vacuidade ideológica das agendas.
Mas, como se tudo isto não bastasse, a ideia é também perigosa. A liberdade de expressão, é bem sabido, é um pilar fundamental dos nossos regimes democráticos. Aceitamos concedê-la, quase sem reservas, mesmo quando é usada para ofender, para provocar, para questionar o inquestionável ou para propor o impensável, porque temos uma aguda consciência de que esse é o preço a pagar para não ficarmos presos “à ética e às opiniões aceites do tempo em que se vive”, para procurar uma sempre imperfeita aproximação à verdade e para, menos filosoficamente, escrutinar todos os poderes.
Isto dito, e voltando a socorrer-me do jornalista Mick Hume, é evidente que “temos de distinguir as palavras que são meras expressões – expressões de algo – das palavras que, pelo contrário, se tornam parte de uma ação – a execução de algo”. Mas, mesmo aceitando uma limitação excecional quando o que está em causa é um incitamento muito claro e muito direto à violência, é bom não perder de vista que esse cerceamento da liberdade só deve aplicar-se ao concreto incitamento e não deve confundir-se com um silenciamento genérico de quem quer que seja.
Mesmo quando se trata de Trump ou de Ventura, sei bem de que lado estou quando se trata de escolher entre os censores do Facebook ou do Twitter e o velho Voltaire.
(Opinião publicada na VISÃO 1454 de 14 de janeiro)