Ao saber-se que Joe Biden tinha escolhido Kamala Harris para ambos formarem a dupla de ataque do Partido Democrata à presidência dos EUA, Donald Trump respondeu de imediato. No Twitter, o chefe de estado fez questão de insultar “Sleepy Joe” e “Phony Kamala”, tentando disfarçar o óbvio – a sua reeleição, a 3 de novembro, está cada vez mais mais complicada. Ninguém duvida de que ele tudo fará para se manter no poder e que esta será uma campanha repleta de golpes baixos e que os resultados podem abrir um processo caótico e violento porque o antigo magnata do imobiliário não é homem de se dar como derrotado.
Se Kamala Harris e Joe Biden baterem Donald Trump, a 3 de novembro, ela será sempre uma forte candidata à presidência de 2024
Para já, Trump acusa Biden de ser racista e de ter até afirmado, em 2007, que Barack Obama era um “afro-americano inteligente, limpo e bem parecido”. A citação, desta vez, não foi inventada. Tratou-se de uma das piores gaffes da carreira de Biden, pela qual teve de pedir encarecidas desculpas que foram aceites pelo visado e com os resultados que conhecemos – os dois acabariam por tornar-se amigos e partilhar a Sala Oval durante quase uma década. Quanto a Kamala, Trump descreve-a como uma “radical de esquerda” e uma “falsa” que há 10 meses, num famoso debate televisivo, no início das primárias democratas, denunciou os alegados preconceitos segregacionistas de Sleepy Joe, para agora dar o dito por não dito e aceitar o convite que lhe foi endereçado pelo ex-senador do Delaware e vice-presidente. Mas isto é apenas o princípio do espetáculo a que iremos assistir nas próximas 11 semanas.
Ao eleger uma mulher não branca, de 55 anos, filha de um economista jamaicano e de uma oncologista indiana, Joe Biden sabe que está a fazer história e, simultaneamente, a baralhar a estratégia de Donald Trump. A ex-procuradora da Califórnia saberá seguramente responder à cartada racial dos republicanos. Contra o discurso presidencial da “lei e ordem”, ela terá a oportunidade de puxar dos seus galões em matéria de segurança e ainda de recordar o seu desempenho no Senado frente a personagens como Jeff Sessions ou Brett Kavanaugh. Por outro lado, ela tem a ambição e o perfil para, em caso de vitória em novembro e face à previsível vontade de Joe Biden de não se apresentar a um segundo mandato em 2024 (onde contaria com 82 anos), se tornar a líder incontestável dos democratas e na Comandante-Chefe da América. Tudo isto sem necessidade de responder à falsa questão de ser capaz – ou suficientemente negra – de desempenhar tal missão. Como escreveu Frank Bruni no New York Times, vai ser muito divertido assistirmos ao duelo televisivo agendado para 7 de outubro, entre Kamala Harris e Mike Pence. O atual vice-presidente, um puritano que já admitiu que não gosta de almoçar ou de jantar com outras mulheres que não aquela com quem se casou, terá de dar o seu melhor para não ser devorado como um simples pequeno-almoço.