Há um mês que ouço falar em plataformas de e-learning e de videoconferência. Há quem ache que o Webex é melhor, há uns que consideram o Zoom mais intuitivo, há outros que disponibilizam exercícios no Classroom e há ainda quem distribua materiais por e-mail (essa ferramenta cada vez mais obsoleta, em tempos de comunicação instantânea!). À minha volta, vejo escolas a desdobrarem-se, direções, professores e funcionários a tentarem descobrir a melhor maneira para continuarem a dar aulas.
Na semana passada, António Costa também prometeu que, no próximo ano letivo, haverá computadores e acesso à internet para todos os alunos do Ensino Básico e do Ensino Secundário. Perante todos estes esforços, incluindo os do primeiro-ministro, faço uma gigantesca vénia. Merecem a minha mais sentida admiração. Não queria estar na pele de quem, em três tempos, se viu obrigado a transformar um ensino presencial num ensino à distância. Acho, sinceramente, que todos estão a dar o seu melhor. E obrigo-me a uma dose extra de tolerância e de paciência, a cada vez que penso que ainda não tenho resposta sobre como vai funcionar isto ou aquilo. Quero acreditar que, se no final (?) desta loucura formos mais eficientes na difícil arte da espera, sairemos um bocadinho mais sábios.
Há, porém, outra ideia que também não me tem largado: sou uma privilegiada, assim como os meus filhos e a grande maioria das pessoas à minha volta. E se há coisa que esta pandemia deveria obrigar-nos a fazer é a calçar os sapatos dos outros. Ver o impacto do contágio (sanitário mas também social e económico) pelos olhos dos menos protegidos. No caso das escolas, já existem alguns dados disponíveis. O Ministério da Educação pediu para que se fizesse esse levantamento, e, de certa maneira, a reabilitação da filosofia da velhinha Telescola pretende ajudar a resolver esse problema. O centro de investigação de Economia da Educação da Universidade Nova de Lisboa realizou um inquérito junto de professores do Ensino Básico e Secundário através do qual ficamos a saber, por exemplo, que 23% dos alunos não têm um computador com internet em casa. No caso do 1º Ciclo do ensino público, essa média é de 31%, enquanto nas escolas privadas o valor cai para 10 por cento. A estratégia mais adotada é o envio de materiais complementares de estudo (85%), sendo que apenas 30% dos professores dá aulas por videoconferência.
Num Estado com responsabilidades sociais, é natural e desejável que se tente estabelecer a igualdade de oportunidades através do acesso à internet. Esse esforço é importante? Sim, é muito importante. É fundamental que os países se organizem em função disso, inclusive no pós-pandemia? Claro que sim. Mas a verdade é que, em 2020, o acesso à internet está quase ao nível daquelas medidas que, noutros tempos, dotaram as escolas, as cidades e as vilas de uma boa rede de bibliotecas escolares e municipais.
Sabendo nós o que sabemos sobre a importância do contexto familiar das crianças e dos jovens no seu desempenho escolar, a pergunta que há a fazer é: quem vai ajudar a imensa massa de alunos sem apoio familiar? O que vai acontecer aos alunos cujos pais não estão em casa, em teletrabalho, em lay-off ou no desemprego? O que vai suceder com os alunos cujos pais não conseguem acompanhá-los nas milhentas ligações à internet, nas mil e uma dúvidas sobre a matéria, nas fichas que há para imprimir, nos exercícios que têm de fazer e de reenviar para o professor…? Dados recentes do Ministério da Educação sugerem que, independentemente de as taxas de retenção poderem estar a descer, continua a existir um fosso entre o desempenho dos alunos mais carenciados e o dos seus colegas oriundos de meios favorecidos. Com números é mais rápido: só um em cada cinco alunos carenciados não chumba até ao 9º Ano. Num cenário de pandemia, esse efeito das desigualdades na escola será uma inevitabilidade com a qual temos de viver? Recuso-me a aceitá-lo.
Termino com uma curta declaração de interesses: tenho três filhos, dois rapazes no 1º Ciclo e uma rapariga a frequentar o 7º Ano. Estou um pouco preocupada com o mais novo, que está a aprender a ler; não quero que ele se desentusiasme da escola. Quanto aos mais velhos, sei que têm autonomia para estudar sozinhos e, no limite, o que não aprenderem agora, aprenderão depois. A todos, obrigo-os a valorizarem o que têm, a estarmos gratos por tudo aquilo que temos. E, hoje, ao almoço, senti uma pontinha de orgulho quando escutei o meu filho do meio a responder ao irmão mais novo que, do alto dos seus 6 anos, protestava por não poder jogar PlayStation a toda a hora: “Se vivesses em Bogotá…”