Bamako, não é uma cidade fascinante para visitar. Vale pela vida, pelo movimento, pela música, muita música, pela confusão, pela cor, pelos bogolans das senhoras feitos em algodão, elegantes e de padrões festivos; os mais ricos com mistura de seda oriunda de Damasco. Atualmente, os chineses dominam o negócio dos “trapos”.
A cidade é suja e desordenada. Os roteiros turísticos referem como principais atrações a Embaixada do Estados Unidos, a grande Mesquita, Le Centre culturel français, a Catedral do Sagrado Coração de Jesus, a torre do Banco de África, o rio Níger, o Radisson Blu Hotel onde em 2015 dois jovens jiadistas armados de AK-47 espalharam o pânico e vitimaram 22 pessoas e o Museu Nacional de Mali, para além dos muitos monumentos de índole nacionalista, de glória aos grandes lideres. Mamarrachos arquitetónicos de muito mau gosto, em deplorável estado de conservação e que impõem à paisagem um ar tenebroso.
Mas nem tudo é mau. As pessoas têm um olhar terno e são simpáticas e, sobretudo tem muita esperança. Numa dos famosos “Sotrama”, carrinhas de transporte de passageiros e de tudo o que se queira, lê-se: “Sou cada vez mais forte graças a Deus”, noutra lê-se: “O sofrimento é um conselho”. Mensagens como estas proliferam nestes pequenos “autocarros” verdes deteriorados que contrastam do amarelo dos táxis igualmente decrépitos e ruidosos.
O Mali é um país laico e isso é evidente na capital. Muçulmanos, cristãos e outros convivem em harmonia. É uma das belezas de Bamako. Quando entramos no consulado do Togo, o vigilante muçulmano prepara-se para estender o tapete de orações na direção de Meca, para fazer uma das cinco orações diárias. No primeiro andar, o militar que receciona o nosso pedido de Visto, lê uma versão evangélica da Bíblia.
Bamako sabe que nunca será um destino turístico por excelência. Convive bem com isso. Os turistas não fazem parte das ambições da cidade, por exemplo, o ingresso no Museu Nacional do Mali para os locais é de 500 Francos CFA, os turistas e os residentes estrangeiros terão que pagar 2500, mas vale a pena.
É o museu mais importante sobre arqueologia e antropologia do Norte de África. Aborda a pré-história do Mali e apresenta diversos instrumentos musicais étnicos, trajes típicos e objetos de rituais dos diferentes grupos étnicos do país. Teve o dedo de Theodore Monode.
Mas este Mali confuso e sujo que vibra em Bamako, crescida e criada na savana arborizada não é o nosso Mali. Não é o Mali que conhecemos. O “nosso” é o do grande pássaro (Calao) que sobrevoa Tombouctou, Mopti, Bandiagara e outras cidades do sudeste maliano.
É o Mali do chá da amizade: o primeiro bebe-se amargo como a vida, o segundo, doce como o amor, e o terceiro suave como a morte.
É o Mali das estepes desérticas, da plantação de índigo e da cultura do algodão, da seda e dos artesãos de outros tempos “dos que estiveram aqui antes de nós”.
Das tecedeiras de Bogolans e Bassin (vestuário feito da mistura de algodão, seda e terra). Do Tilbi, vestuário de homem, bordado minuciosamente e que depositam no banco como se fosse dinheiro.
Da arte e dos saberes do deserto. Do país Dogon, o povo das estrelas, onde os seus naturais não são “nem muçulmanos nem negros. Somos Dongos”. Povo que sempre soube qual a função do oxigénio no corpo e da circulação do sangue, coisas que a ciência ocidental só descobriu nos tempos modernos.
Conhecedores dos mistérios das principais estrelas do céu, das luas do Sistema Solar sem nunca terem manuseado telescópios. É este o nosso Mali. O das aldeias penduradas nas escarpas de Bandiagara, ao leste do Rio Níger.
É o Mali que não podemos revisitar porque está sob ameaça de fanáticos sanguionários, que ainda na semana passada raptaram 4 jovens enfermeiros que seguiam numa ambulância na estrada de Dire para Tombouctou e que iam frequentar curso de formação profissional. Que na sexta-feira decapitaram dois cidadãos malianos, perante toda a aldeia, por traição por suposta colaboração com as autoridades malianas e no mesmo dia atingiram mortalmente um cidadão francês ao serviço de uma ONG.
No adeus a Bamako, não posso deixar de recordar a expressão em francês, muito usual por estes lados: Ce n’est pas ma tasse de thé, que é como quem diz: esta não é a minha praia.