O futebol de Portugal neste Euro 2016 não entusiasma.
Não se veem aquelas combinações a que estamos habituados, com passes curtos entre vários jogadores, sempre em progressão, que deixam os defesas desorientados. Renato Sanches e João Mário ofereceram-nos uma pequena amostra frente à Hungria, mas não durou mais de 20 minutos.
Não aparecem os dribles dos nossos criativos, aquele toque de magia que nos faz crer num golo a qualquer momento. Nem Nani, nem Ronaldo, nem João Mário, nem André Gomes, nem sequer Quaresma, o nosso abre latas com maior audácia – e uma certa dose de loucura que o faz arriscar mesmo quando tudo à sua volta aconselha a não o fazer.
Não há velocidade que nos valha. João Moutinho é lento, João Mário vagaroso, André Gomes pastelão. Ronaldo está preso, Nani idem e Quaresma também não arranca. Ou os trintas já pesam ou a condição física não é a melhor. Talvez um pouco das duas. Só os piques de Renato contrariam este marasmo.
Não há um fio de jogo ofensivo nesta seleção. É tentar meter a bola na frente e esperar um golpe de arte dos jogadores mais adiantados. Que são extremos – e portanto especialistas a encarar os adversários de frente -, mas fazem de pontas-de-lança porque não há um acima da média – vendo-se obrigados a jogar de costas para a defesa, numa solução contranatura que lhes rouba as melhores virtudes.
Não há sinal, enfim, daquela avalanche ofensiva que caracterizou o jogo de Portugal nos últimos 20 anos, com Rui Costa, Figo, João Pinto, Sérgio Conceição, Deco, Simão, Nuno Gomes e outros a criarem um efeito carrossel que tantas vezes nos fez levantar da cadeira e vibrar com o jogo da nossa seleção. Sobram Ronaldo, Nani e Quaresma desses tempos, mas os últimos resquícios de futebol de rua, aquele que jogamos entre amigos à porta de casa, e que tanto nos agrada quando os profissionais o põem em campo, esses, desapareceram. Esta seleção, com Fernando Santos ao leme, não joga nada à bola.
Pois. Mas em futebol ninguém lhe ganha. Aqui chegados, a umas horas de terminar o Campeonato da Europa, a França é a única equipa que pode superar Portugal a jogar futebol. As outras que tiveram essa oportunidade e a desperdiçaram já estão todas em casa.
Não venham dizer que é sorte. Nos penáltis, nos adversários, na nossa Senhora do Caravaggio que já nem anda por cá. Cansa essa conversa. Ninguém chega a uma final de um Europeu por fintar o azar – e já vimos que este Portugal não sabe fintar.
Numa expressão feliz, o selecionador disse tudo quando disse que Portugal não estava em França para jogar à bola mas para jogar futebol. São coisas distintas.
Claro que a equipa começou muito mal esta fase final e essa primeira impressão toldou-nos as ideias. Além de não jogar à bola, como queríamos – queremos sempre -, teve grandes dificuldades para jogar futebol. Contra a Islândia e a Áustria, adversários mais modestos, defender bem não chega e ficaram logo à vista, desarmada, as fragilidades das nossas ações ofensivas.
Para agravar, Fernando Santos demorou a perceber quais os jogadores em melhor forma, insistindo num meio-campo a três velocidades – devagar, devagarinho e parado – com João Moutinho, João Mário e André Gomes. Era óbvio que não podiam jogar os três ao mesmo tempo, mas até aí, nesses jogos com mais bocejos do que lances de ataque, Portugal manteve os seus créditos. E são muitos, bem à imagem do selecionador.
Esta campanha até à final mostrou-nos que, tal como Fernando Santos, estes jogadores nunca perdem a compostura. Quem dizia, com a maior das calmas e quando os resultados e as exibições não convenciam ninguém, que só vinha para casa no dia 11? E quem recuperou, sem nunca entrar em desespero, de três desvantagens no marcador perante a Hungria para evitar uma derrota que significaria o adeus precoce a França?
A seleção de Fernando Santos joga bem futebol. Defende como um bloco único, coeso e solidário. João Mário, André Gomes, Renato Sanches gostam de jogar no centro, mas sabem que têm de defender nas alas e cumprem. Ronaldo e Nani sacrificam-se na frente, correndo que nem doidos atrás dos defesas mesmo sabendo que isso os vai desgastar para as tarefas ofensivas. Danilo e William parecem apáticos à frente da defesa mas estão sempre lá. Adrien veio dar a frescura e a agressividade que Moutinho não apresentava. E Renato trouxe a capacidade de explosão que André Gomes não tem. Lá atrás, Cedric também deu mais energia à equipa e os centrais, com o gigante Pepe a secar tudo à sua volta, estão com níveis de concentração no limite da escala. Portugal não falha. E quando falha corre atrás.
Longe de ser espetacular, esta seleção é altamente competitiva. E é isso que faz a diferença nos dias de hoje.
Claro que Portugal devia fazer mais no ataque, mas a prioridade de Fernando Santos é outra e, com tão pouco tempo para treinar e os resultados apresentados, ninguém o pode condenar. É feio? É tático. Dá sono? É futebol.
E que equipas jogaram à bola neste Europeu? A Croácia? Foi completamente dominada por Portugal. Nem sequer chegou a criar perigo, com exceção do lance que acabaria por terminar no golo de Quaresma. Futebol puro e duro.
Mesmo entre aquelas seleções com mais obrigações do que Portugal, nenhuma entusiasmou. Nem Espanha, nem França, nem Alemanha, nem Inglaterra. O tédio – ou o tático – dominou de tal maneira esta fase final que a sempre ‘chata’ Itália leva o Oscar de melhor argumento original. Contrariando a história, a squadra azzurra de Conte mostrou boas ideias ofensivas, a começar numa defesa pressionante, logo à saída da grande área do adversário.
Este Euro está virado do avesso, mas não vai ser muito diferente de outros. A menos que o árbitro interfira, não o vai ganhar quem jogar melhor à bola, mas quem apresentar melhor futebol. E está visto que Portugal é forte nesse jogo.