1. Na última bravata parlamentar com o líder do PS, o primeiro-ministro, irritado, puxou os galões da sua “coragem”, por ter tomado medidas “muito difíceis”. De vez em quando, foge-lhe o pé para a chinela marialva e Passos exibe, com notório deleite, o papel do durão, cego perante as evidências, surdo à crítica e mudo em palavras genuínas de conforto. É um papel irritante por ser inadequado às circunstâncias e mistificador da verdadeira ação do personagem. Não há coragem nenhuma na política do primeiro-ministro porque, até agora, só tem tomado as medidas fáceis. Cortes radicais nos rendimentos do trabalho e nos apoios sociais (menos 7%), aumento brutal dos impostos (mais 35%, só no IRS). No fisco, a ordem é de perseguição total ao contribuinte. A mais pequena falta, é a morte do artista, com ameaças e custas exorbitantes. Entretanto, quem tem dinheiro para litigar escapa a pagar multas de um milhão de euros, como aconteceu a Jardim Gonçalves. Apesar de cobrar cada vez mais, o Estado oferece cada vez menos qualidade, como é notório na Saúde onde recorrer aos hospitais encareceu 19,3%, apesar de se multiplicarem as listas de espera e os casos de má assistência. Também no ensino superior disparou o número de abandonos. Isto para não falar da infindável lista de portugueses que vão ficando sem qualquer apoio social. Foram 12 mil por mês que, durante o último ano, perderam abono de família, subsídio de desemprego, complemento solidário para idosos…, segundo dados da própria Segurança Social. Eis a coragem! Enquanto isso, os ricos ficam cada vez mais ricos – só Belmiro, Amorim e Soares dos Santos acumularam mais 2 mil milhões de euros no último ano, segundo a Forbes e os lóbis permanecem intocáveis. A autoridade do Governo essa, para o que é importante, está pela rua da amargura. É caricato assistir à desobediência das câmaras municipais em questões como o feriado de Carnaval ou os novos horários de trabalho da Administração. Mas o mais preocupante é a impunidade com que muitas autarquias se continuam a endividar alegremente – 36 estão em risco de falir, pela segunda vez, apesar dos mil milhões que o Estado (todos nós) injetou no poder local, que a “coragem” do primeiro-ministro foi incapaz de reformar.
2. Quem prestou um bom serviço ao País foi Cavaco Silva ao revelar o que, verdadeiramente, está em jogo no pós-troika. Ficou a perceber-se que continuaremos sob vigilância apertada e com pouca margem de manobra. Aparentemente, o Presidente pecou por um certo conformismo, não dando outra saída que não o consenso entre os principais partidos. Mas será assim, ou Cavaco faz o forcing do consenso porque só com este pressuposto é possível negociar com os credores a reestruturação da dívida nos termos do documento subscrito por 70 notáveis, entre os quais a sua amiga Manuela Ferreira Leite? Estará Cavaco ligado, ainda que discretamente, a esta iniciativa? Aliás, a amplitude política representada pelos subscritores deste apelo é, por si só, um exemplo encorajador de que tudo é possível, desde que haja vontade política. António José Seguro tem aqui a grande oportunidade de liderar esta causa envolvendo os portugueses e desafiando o Governo para negociações tendo por ponto de partida o próprio documento dos 70. Assim ele tenha a coragem que se impõe.