A sete meses do fim do programa de resgate só temos pela frente dois cenários possíveis: ou conseguimos livrar-nos dos nossos credores ou não conseguimos e o futuro será ainda mais trágico. Não vale a pena escamotear ou pintar quadros imaginários em que um qualquer D. Quixote vem libertar a Europa sequestrada das garras afiadas do ogre alemão que a oprime. É mentira. Veja-se o pobre sr. Hollande, veja-se os sociais-democratas alemães, um e outros deglutindo palavras, propostas, promessas, todo o arsenal que prometia varrer a insensatez inominável que habita este espaço europeu, outrora modelo de bem estar, de paz e de democracia. Como nos ensina a experiência destes dois anos de “ajuda” externa, os credores não são nossos amigos, nem devemos esperar que outros nos venham libertar – nós é que temos de o fazer. Daí que o grande objetivo deveria ser despedirmos a troika para sempre e, assim, recuperarmos a soberania que tantas vidas nos custou, ao longo de uma História conturbada e quase milenar. Sermos senhores do nosso próprio destino (dentro das contingências que sujeitam quem está integrado na União) e retirarmos as devidas lições do que sucedeu. É difícil? É. Mas é preciso ter em conta que, apesar do Governo miserável que temos, surgem, aqui e ali, notícias animadoras do lado da economia – quebra do desemprego, mais dinamismo da procura, o fim da recessão técnica. São apenas pequenos sinais, é certo, mas não se pode estar sempre a desvalorizar o (pouco) de bom que nos acontece e a hípervalorizar tudo o que é mau. Não só não é honesto, como a teoria do quanto pior melhor é paralisante e serve apenas interesses egoístas.
Mas existe um outro facto interessante e, porventura, mais elucidativo, que sugere serem reais as possibilidades de os portugueses despedirem a troika. As famosas agências, que ainda há dois meses diminuíam para negativas as perspetivas sobre a nossa economia ou baixavam mesmo o rating do País, têm, agora, dado a volta ao texto e até já dizem que Portugal será capaz de cumprir o “programa de ajustamento” com êxito. Mais: tanto o discurso destas agências como o discurso dos agentes políticos e económicos internos deixou de ser sobre a possibilidade de um segundo resgate, como acontecia há bem pouco tempo, mas sobre a necessidade (ou não) de um programa cautelar, ou seja, a negociação de uma almofada financeira que garanta a nossa presença nos mercados, depois da saída da troika. Só que isso implica a exigência de novas condições, logo, mais austeridade. Tal como a Irlanda, Portugal tudo deveria fazer para impedir o programa cautelar, mas para que isso aconteça é fundamental que os partidos do arco da governação e os parceiros sociais se sentem à mesa de negociações. Com agenda, objetivos e propostas. PSD e CDS têm de provar que estão de boa-fé e o PS deve evitar o discurso dúplice. Ou seja, dizer que não quer programa cautelar, como a Irlanda, mas depois evitar compromissos. Na Irlanda, é preciso não esquecer, o compromisso foi essencial ao êxito. A não ser que António José Seguro tenha outra alternativa para despachar a troika. De uma vez por todas, a direção socialista não deve temer os fantasmas do passado, nem os mortos vivos do presente. Aqueles foram derrotados em 2011, estes já o foram nas autárquicas e voltarão a sê-lo nas próximas.