Na noite eleitoral, o discurso de Passos Coelho numa sala silenciosa e triste, onde eram mais os jornalistas em trabalho do que os apoiantes solidários, deu bem a medida do isolamento do líder do PSD. Enquanto, nos ecrãs televisivos, Marques Mendes pedia a antecipação do Congresso, Passos, reconhecendo a derrota, não tinha mais nada para oferecer do que a continuação da austeridade. “É o caminho a seguir”, disse ele. Naquele momento, talvez ainda não tivesse compreendido bem a dimensão do seu problema. Se, até domingo, eram cada vez mais “os de fora” que não acreditavam nele, a partir da hecatombe eleitoral são “os de dentro” a perceber que, sob a sua liderança, o futuro é negro. Assim, de repente, o desastre autárquico deve ter custado muitas centenas, se não mais de um milhar de lugares a muito boa gente de um aparelho partidário que não costuma ser brando quando perde cargos, mordomias e influência. E o pior é que isso se refletirá por muitos e longos anos. Daí o Congresso. Quem o sugeriu é amigo, não adversário. É preciso controlar os danos o mais urgentemente possível, fazer a catarse antes que uma bola de neve descontrolada fragilize ainda mais a direção “passista”, a mais medíocre direção política de que há memória no PSD. Para entreter e libertar tensões, nada melhor do que manobras de diversão das distritais que querem transformar em bodes expiatórios todos os que formaram ou apoiaram listas independentes. Começou a caça às bruxas, no partido laranja, um espetáculo muito pouco edificante.
Por mais ou menos espetaculares que estas manobras sejam, nada vai iludir a realidade: em cima da mesa estão a cabeça de Passos Coelho e a sobrevivência do Governo e o que resultou destas eleições é que nem uma coisa nem outra dependem do próprio primeiro-ministro. Sem prestígio, sem votos, sem perspetivas de poder alimentar um aparelho partidário faminto, Passos ainda está ligado à máquina, porque há um Orçamento a aprovar durante o mês de novembro e um grupinho de credores que não lhe larga as canelas. Mas até quando? Tréguas não vai ter. O Tribunal Constitucional promete, o PCP sai reforçadíssimo e os sindicatos moralizados para mobilizar a rua. E há também o CDS. Como vai um parceiro tão desleal viver agora a relação? É certo que Portas se saiu muito mal da “irrevogável” crise de julho, mas este “penta” inesperado, permitiu-lhe disfarçar responsabilidades e apresentar-se, sobranceiro, como um dos vencedores da noite. Servirão cinco pequenas câmaras para levar o volúvel “Paulinho das feiras” a partir para outra aventura? A tentação é grande, mas isso também não depende dele… Muitíssimo do que se vai passar está agora nas mãos do PS, o grande vencedor destas autárquicas mas, ao contrário do que se possa pensar, António José Seguro deixou de ter todo o tempo do mundo. À medida que as dificuldades do País se acentuarem, crescerá a pressão sobre o líder do PS: uns exigindo-lhe que se sente à mesa com “os outros partidos do arco da governação”, para evitar o segundo resgate; outros que faça cair o Governo e parta para eleições antecipadas. Uma coisa é certa, Seguro ganhou prestígio e salvou a sua liderança, mas o País dificilmente lhe perdoará que, por puro taticismo, fique à espera do quanto pior melhor. Passos, esse, já não tem salvação.