Os meus primeiros tempos como ajudante do xerife Jimmy Cicatriz não foram isentos de dificuldades. Rigoroso em todas as voltas da vida, o meu boss exigia na mínima circunstância, mesmo com dois ss (circunstânssia), aquilo que se poderia chamar competência na decisão (com z ou com s, agora estou um bocadinho indeciso; por acaso decisão não fica mal, e melhor ainda dessizão!), Bem, isto sou eu a ver sse asserto.
«Sabes ler, escrever e contar?», perguntou-me o xerife quando apareci ao trabalho na primeira inolvidável manhã da nossa colaboração.
«Sei apanhar gafanhotos à palmada», respondi. «E sei jogar à macaca. E sei quem foi o primeiro rei de Portugal».
“Quem foi?”
“Dom João V.”
«Óptimo. Não quero cá analfabetos.»
Aí pelas onze tocou o telefone. Fui atender. Era uma voz feminina.
«Tá? O Jimmy tá?»
«Desculpe, minha senhora», articulei excitadíssimo, «vou já chamar.»
Passei o aparelho ao meu chefe, dizendo-lhe ao ouvido:
«É uma senhora! Topa-se à légua!»
O velho Jimmy Cicatriz pigarreou, pegou no aparelho e disse:
«Good morning, madam!»
Mas não era puto uma senhora, nem mesmo por aproximação: era o temível Búfalo Poia que ligara de Miami para avisar que dentro de uma semana estaria em Crow Junction.
«Búfalo Poia? Hum, não se diria. Com aquela voz…»
«Com aquela voz o caraço!», replicou Jimmy Cicatriz. «Partiu dois dentes e pôs uma placa, ora essa. Ou já não sabes distinguir uma placa de um dó de peito?”
O incidente foi o primeiro de uma série de mal-entendidos que me iam custando o lugar. Jimmy Cicatriz marrava comigo que era um disparate, sobretudo em questões de ortografia.
Fernando Assis Pacecho
BRONCO ANGEL, O COW-BOY ANALFABETO
Tinta-da-China, 128 pp, 14,90 euros