Hei de ter esta mágoa para sempre. De cada vez que abrir os livros, de cada vez que ler um texto, de cada vez que as suas palavras – gravadas sob tantas formas – chegarem até mim. De cada vez que uma fotografia me passar por debaixo dos olhos. Nunca o entrevistei. E a essa mágoa juntam-se outras, aquelas que ficam nas perguntas que não vamos mais poder fazer: “Já leste o último Saramago?”, “Quando sairá o próximo romance?”, “O que disse o Nobel sobre isto?” ou “Qual será o dia em que vem à Feira do Livro?”. Há nove meses que não podemos dizer nenhuma destas frases. Há nove meses, o tempo de uma gestação, que Saramago partiu, levando com ele todas as palavras, como alguém disse nas cerimónias fúnebres em Lisboa.
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O Ano da Morte de Ricardo Reis, Saramago escreveu que nove meses é o tempo que leva “para que os vivos se esqueçam dos mortos” e precisamente nove meses depois da sua morte – assinalados a 18 de março – inaugurou-se oficialmente, em Lanzarote, a Casa e a Biblioteca José Saramago. “Por muitos nove meses que passem, não o vamos esquecer nunca”, disse Pilar del Río na cerimónia de abertura. E fez das suas palavras, nossas.
Nunca vamos esquecer a postura, a visão sobre o mundo, a coragem, as frases certeiras, as vírgulas no tempo certo. Não vamos esquecer o seu olhar sério, muitas vezes duro e ao mesmo tempo sábio. A Casa (assim mesmo, com maiúscula) onde Saramago e Pilar viveram – nos ‘intervalos’ das mil e uma voltas que deram ao mundo – pode agora ser visitada e descoberta. O caminho para Lanzarote ficou mais curto. O vento da ilha puxa-nos para lá. Longe das mágoas que ficaram, podemos por uns instantes estar mais perto. Fazer perguntas àquele lugar. E se tal não for possível, ao voltar a abrir os livros, ao re-encontrar as personagens, sentir, saber, que nunca nos deixou.