Não invejo a tarefa que tem pela frente o júri do Prémio Correntes d’Escritas, cujo vencedor é anunciado no próximo mês de Fevereiro, a 24, na abertura do Encontro de Escritores de Expressão Ibero-americana, organizado pela Câmara Municipal da Póvoa de Varzim.
Um relance pela short-list agora anunciada mostra como a escolha é complicada. Uma missão quase impossível: Myra, de Maria Velho da Costa, O verão selvagem dos teus olhos, de Ana Teresa Pereira, A Sala Magenta, de Mário de Carvalho, O Cónego, de A. M. Pires Cabral, O apocalipse dos trabalhadores, de valter hugo mãe, A Eternidade e o Desejo, de Inês Pedrosa, e A Mão Esquerda de Deus, de Pedro Almeida Vieira, nos portugueses, e ainda Rakushisha, da brasileira Adriana Lisboa, Três Lindas Cubanas, do cubano Gonzalo Celorio, e O Mundo, do espanhol Juan José Millás.
Não invejo a tarefa porque dificilmente conseguiria avaliar com imparcialidade este conjunto de digníssimos romances (todos de leitura aconselhada). Sou daqueles que considera O Mundo o melhor livro de 2009 (num ano de boa colheita), e Juan José Millás uma das mais sólidas referências das literaturas hispânicas da viragem do séc. XX para o XXI. É uma convicção mais pessoal do que teórica. Uma espécie de inexplicável identificação com o seu universo que me traz à memória o verso que Raul de Carvalho escreveu sobre Álvaro de Campos: “Aquilo é demasiado meu para ser dele”.
Poucos como ele conseguem misturar fantasia e realidade, pensamento e acção, delírio e lucidez, fazendo de cada história, por mais breve (ou longa) que seja, uma inesquecível experiência estética. Não é só o seu poder efabulatório e imaginativo que me seduz, mas também a verosimilhança e (im)probabilidade que ele empresta a cada conto ou romance. Em O Mundo (como em outros livros), pouco importa se o que nos é descrito (neste caso a infância) corresponde ao que aconteceu, mesmo quando ele quer convencer-nos disso. É a vertigem da sua escrita que perturba. E atrai. O mergulho na ausência de limites.
Como Maria José, uma das personagens de Duas Mulheres em Praga, que ambiciona escrever um “romance canhoto”, Juan José Millás oferece-nos uma admirável perspectiva nova. Uma outra forma de olhar o mundo. E a Literatura.