Um médico e um engenheiro assistiram a um concerto de um grande pianista. À saída, o médico confessou: “Estou emocionado, foi das coisas mais bonitas que já ouvi.” Enquanto isso, o engenheiro perguntava-se incrédulo: “Mas como é que ele consegue tocar todas aquelas notas tão depressa e sem se enganar?” Esta história foi-me contada por um engenheiro. E serviu para me explicar, em síntese, os cuidados que eu deveria ter na minha colaboração simultânea para as revistas das ordens dos Médicos e dos Engenheiros. Desde aí apercebi-me que esta é uma das muitas formas de dividir o mundo, embora tal corresponda necessariamente à profissão propriamente dita. Aliás, tenho encontrado vários médicos ? e até poetas, jornalistas, músicos ? com uma grave tendência para engenharia. E engenheiros ? e até gestores, matemáticos, contabilistas ? com dotes para a medicina. Os engenheiros estão no poder, dominam a sociedade. O que mais lhes interessa é a virtude. A cantora com a voz mais aguda, o escritor mais prolixo, o pintor mais perfeccionista, o pianista mais rápido. Sentem-se confortáveis com tudo o que possa ser medido. Com se as artes e as letras fossem uma espécie de jogos olímpicos: mais rápido, mas alto, mais longe, mais forte. Por defesa, preferem que esteja tudo bem organizado. Incomoda-lhes o que não está definido, o que escapa a um enquadramento teórico, o que não é catalogável e, sobretudo, evitam a todo o custo situações em que seja necessário o improviso ou a criatividade. Alguns pensam mesmo que a criatividade é algo que se organiza. Ao invés, os médicos são criativos e desorganizados por excelência, às vezes de um forma tão desordenada que se torna inconsequente. A verdade é que uns precisam dos outros. E também se pode dizer que de médico e de engenheiro todos temos um pouco. Mas é a falta de médicos que deixa este país anémico, amarelo, cinzento, branco, incolor, impávido, sereno.
Doutores e engenheiros
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