Era uma vez um fotógrafo (escapa-me o nome), que, questionado por um jornalista sobre lentes & objectivas, respondeu assim: “Já perguntou ao Hemingway qual a máquina de escrever em que ele escreve os seus romances?” Está de ver que esta história é antiga ? as máquinas de escrever foram substituídas pelos computadores, hoje pau para toda a obra. De tal modo que, há dias, colado num poste, junto a uma paragem do 9, em Campo de Ourique, deparei com um anúncio, daqueles espontâneos, que dizia como segue: “Procurasse apartamento pequeno?” Escrito em computador (corpo 18, caixa alta, bold, Garamond, a preto e magenta), com chamativos floreados gráficos, era uma obra de arte, o anúncio, mas? Mas, havia nele aquele pequeno “procurasse” que deveras me incomodou. Vai daí, aproveitando a calada da noite, a ausência de pessoas na paragem e da Polícia por perto, eu, num gesto rápido, rapei da bic (ainda as trago comigo ? sou um dinossauro) e zás: risquei o primeiro “s” do “procurasse” e, em seu lugar, rabisquei um hífen (“-“), transformando o “procurasse” em “procura-se”. Após o que, a pé (não esperei pelo autocarro), discreto, dei às de vila-diogo, não fosse alguém topar-me. Talvez ninguém me tivesse visto, mas, pelo sim, pelo não, pirei-me, tal como, outrora, ladino, me sabia pirar depois de meter nas caixas do correio múltiplos “Viva a Liberdade!” (escritos à máquina). Em suma, aquele “procura-se” versus “procurasse” fez-me sentir outra vez jovem, insubmisso, subversivo, eficaz. Quase tão eficaz como o nosso primeiro-ministro José Sócrates (oxalá o próximo se chame Voltaire ? José Voltaire ? para, em Portugal, à evocação da maiêutica suceder a da tolerância). Quase tão eficaz com o nosso primeiro-ministro ? dizia eu ?, que tem andado pelo país a distribuir computadores, numa de choque tecnológico. E muito bem! Só que? Só que eu estava tentado a sugerir-lhe que, já agora, acopladas a cada computador, ele distribuísse umas tantas gramáticas. Sabe Vossa Senhoria porquê? Porque, quando eu, em miúdo, atraído pelo cheiros e antegozando os sabores, metia o bedelho na cozinha, minha mãe corria comigo de lá, dizendo-me assim: “Aprende a fazer o refogado, que depois mexes no tacho.”
Tachos & refogados
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