Eu cá acho que aquela atriz do Bay Watch, a Pamela Anderson deveria ser condenada pelo mau exemplo que deu às mulheres da minha geração. Ainda por cima ela era daquelas mulheres que podia ter tudo e depois divorcia-se lá do outro brutamontes que lhe batia para se casar com ele outra vez? Mas que mau exemplo era aquele? Já viste a quantidade de exemplos que nós recebíamos só pela televisão no domingo à tarde? É que ela não era bem como a Elizabeth Taylor que se casou duas vezes com o Richard Burton mas pelo meio, antes e depois, lá se foi casando com mais 7 e não era só ele que lhe batia, aquilo era uma tourada para todos os lados, mas a Pamela Anderson? De fato banho laranja e cabelo ao vento, podia ter qualquer nadador salvador aos seus pés e teima de ir para aquele idiota? Já viste o que é que ela estava a dizer às mulheres adolescentes da altura como eu? Dizia primeiro que era possível fugir daquele inferno mas que depois se pode escolher voltar para ele? É um dos meus ódios de estimação. Sim, tu falas do Woody Allen e que te recusas a ver mais filmes dele, e eu … aliás… nem precisamos ir mais longe, já ouviste bem as letras do Carlos Tê do Rui Veloso? Há lá pior campanha de manipulação do que ouvir a canção do rubi todas as férias, em cassete, dentro do carro, a caminho do Algarve no verão?
Achas normal fazer uma canção daquelas? Mesmo sabendo que não gostavas comprei-te um bilhete para ires àquele concerto? Mas como é que isto pode ser uma canção de amor que uma família inteira canta dentro do carro enquanto come sandes de atum com maionaise e bebe Bongo-sumo-rei-da-selva enquanto está parado na fila de trânsito de sábado ao final da manhã para atravessar a ponte?
Tu já reparaste bem na letra daquela canção? Eu lembro-me dos meus pais a cantarem e lembro-me de pensar: Mas por que raio é que ele comprou um bilhete para um concerto de uma banda que ela não gostava? E por que raio ficou à espera que ela gostasse de propósito só para lhe agradar? Mas tem de ser assim, no amor? Óh, lá vens tu com as tuas teorias de romance de algibeira… a curiosidade, a curiosidade… ouve lá bem a letra… espera aí que eu agora não me lembro… como é que é, como é que começa? Ah! Começa assim: Tu eras aquela que eu mais queria… estás a ouvir bem? Já não tem nada a ver com os dois, começa logo com uma queixa, tipo: estás a ver, estás a ver? Eu gostava tanto de ti e tu népia, ainda te atreves a deitar-me fora que sou tão incrível e gosto tanto de ti… e vai por aí fora… e porque é que ele gostava dela? Para lhe dar conforto e companhia… sim não gostava do que dizia ou do que fazia ou do que era… gostava dela para lhe dar conforto e companhia… já viste bem? E depois ele diz: era só contigo que eu sonhava andar, para todo o lado e até, quem sabe?, talvez casar… quem sabe? Sim, quem sabe… já viste a imagem de romance que isto passa a uma miúda de 8 anos… olha como ele está triste, ele até te tinha escolhido e tu? Népia…e depois continua… Ai o que eu passei só por te amar,A saliva que eu gastei para te mudar. Para te mudar? Mas que raio de história é esta? Então ele gostava dela ou não? E depois fica pior, espera, espera, ouve bem a letra que eu acho que nunca reparaste bem… O que eu passei só por te amar … sofreu sozinho, não aceitava não ser correspondido, certo? E porquê? Ele explica: Mas esse teu mundo era mais forte do que eu, ou seja, ela tinha vontade própria, tu já viste bem a lata da miúda? Pensava lá à maneira dela, e ele coitado que queria tanto até, talvez, quem sabe, um dia casar com ela, e ela nem percebia a sorte que tinha? Olha que coisa! E ele vai mais longe e diz – não só ela tinha lá um mundo dela mais forte do que ele como nem com a força da musica ele se moveu. Ah! E claro, era o mundo dela que se tinha de mover, não era o dele… isto fazia-me uma confusão quando eu ouvia isto no carro dos meus pais, eu no banco detrás de mini saia, eles de camisolas sem alças a cantar e a abanar a cabeça lá à frente. Mas o pior ainda está para vir… ele já tinha percebido que o mundo dela era mais forte do que ele, certo? e que ela não ia lá nem mesmo com a força da música, certo? E o que é que ele se lembra de fazer?
Vou cantar para ti que vale a pena, ora puve-me bem, vou dar o meu melhor:Mesmo sabendo que não gostávas,Empenhei o meu Anel de Rubi,Pra’ te levar ao concerto que havia no Rivoli.
E eu não cantei com tanto ímpeto, mas aquilo é tudo muito sentido, imaginas como não deve ser em concerto, tudo de isqueiro, os namorados de mão dada, elas a suspirar, a ver se ele empenha o anel da avó deles isso é que é sinal de amor e tal… E ela tem mais é que se sentir culpada porque era só a ti, que eu mais queira / Ao meu lado no concerto nesse dia, Juntos no escuro de mão dada a ouvir / Aquela musica maluca sempre a subir…
Ora, ele tinha tudo planeado, a música a dar, eles a sentirem muito, tudo a cantar mas ela não ficou nem meia hora, já viste, a desgraçada? Então eu empenhei.o meu anel de rubi que roubei à minha avó e ela nem fez um esforço para gostar e foi-se embora?
Então mas ele não sabia que ela não gostava? E se sabia para que é que ele a levou até um concerto que já sabia que não era do agrado dele? E se ela lhe fizesse o mesmo? Não lhe ocorreu que esta podia ter sido uma má escolha, nem lhe ocorreu que a poderia estar a torturar, já viste o que é ires a um concerto de uma banda que odeias? É que para ler uma pessoa ainda pode fechar os olhos, mas num concerto não dá para fechar os ouvidos… E o que é que ele conclui desta bonita ideia? Que se calhar era melhor terem ido jantar fora? Ou ir a uma peça de teatro? Ou passear num jardim? Ou perguntar-lhe de que música gostava? Não, claro que não. Ele aprendeu uma grande lição:NÃO SE AMA ALGUÉM QUE NÃO OUVE A MESMA CANÇÃO!
Olha que porra!
E como se não chegasse, e para provar que não tinha percebido nada do que lhe tinha acontecido, ele volta a repetir que mesmo sabendo que não gostavas, empenhei o meu anel de rubi, para te levar ao concerto que havia no Rivoli. E lá entra a harmonicazinha ainda a dar um tom de alpendre americano ao pôr do sol… que carago! Nunca mais me esqueci desta canção! Puxa!J
Dedicado a Keli Freitas, Crista Alfaiate e Isabel Campante e a uma belíssima noite passada a atrapalhar o trânsito na praça de D. Duarte em Viseu.