Como se sabe a revolução informática construiu-se através da linguagem binária, de infinitas combinações de zeros e uns que adquirem significados precisos. Ironicamente, foi através da simplificação da linguagem, reduzindo-a à sua forma mínima, que se conseguiram alcançar os cálculos e resultados mais complexos. Trata-se de simplificar na linguagem para conseguir aprofundar tudo o resto. Segundo a linguagem binária não há espaço para o talvez, para a indecisão. Tudo é branco ou preto, sim ou não, zero ou um. É por isso que se verifica que alguns CD das primeiras gerações tem pormenores de conteúdo deturpados – ao não poderem aceitar uma incógnita, um número intermédio, perante a dúvida se é zero ou um escolhem aleatoriamente um dos algarismos. No limite isto pode significar uma distorção digital da própria música gravada.
Esta lógica binária, responsável pela revolução digital, está em muitos dos nossos gestos quotidianos e processa-se a uma velocidade alucinante. É através de um complexo código de zeros e de uns que o teclado identifica qual é a letra que eu estou a pressionar para depois, de forma quase imediata, a reproduzir no ecrã. Tudo isto se torna tão natural que nem nos apercebemos do seu caráter extraordinário, quase mágico, de autossuperação do Homem. E nem sequer avançamos aqui para a tecnologia de ponta da inteligência artificial.
O mais estranho, que observamos hoje, é que, aos poucos, na sociedade contemporânea, esta linguagem binária, conversa de computadores, está a tomar conta dos modelos de lógica e comportamento humanos. O binarismo apanágio das redes sociais, onde cada vez mais se forma a opinião pública. Ou bem que se é a favor ou bem que se é contra. Quem reúne argumentos para encontrar a moderação é expulso por ambos os lados, não lhe é reservado um espaço. Tudo se faz de barricadas. Sporting ou Benfica, Beatles ou Rolling Stones.
Essa bipolirização ajudou a criar fenómenos como a extrema-direita no Brasil. Apesar das dezenas de partidos candidatos, os bolsonaristas trataram de passar a mensagem que toda a decisão das eleições se fazia entre o seu partido e o PT. A extrema direita portuguesa há muito que procura alimentar mesma narrativa.
Nas redes sociais raramente se abre o espaço para a dúvida, para um questionamento livre e saudável, qualquer talvez é interpretado como uma defesa camuflada de uma das partes. Isto é muito perigoso: são raros os assuntos que se podem simplificar à fórmula dicotómica do sim ou não, verdadeiro ou falso, zero ou um. Se assim fosse talvez a vida se tornasse mais simples, mas ao mesmo tempo perderíamos a riqueza que nos oferecem as suas tonalidades. O binarismo é a linguagem dos extremos, do purismo, das trincheiras. Mas todos sabemos que as sociedades só evoluem através da mistura, da miscigenação, da multiculturalidade, dos pontos de encontro.