Como descrever um nariz, eis um problema que se coloca imediatamente a qualquer aspirante a pintor que queira reproduzir um nariz humano, ou a um jovem escritor que considere a importância fundamental da forma de um nariz para ilustrar o carácter de um seu personagem.
Um nariz aquilino, aduncado, impertinente?
Estes são chavões óbvios para a anatomia da penca.
Um autor titubeante pode fazer ruir todo o seu vasto projecto literário no momento decisivo em que se propõe a descrever um nariz. Homero, homem prudente, escusava-se a meter o nariz em tamanha epopeia e, é por isso que o calcanhar de Aquiles passou à posteridade, mas não o seu nariz.
Muitos traiçoeiros e expeditos autores passaram séculos na história da literatura a colocar verrugas em narizes de personagens asquerosas e vis, para evitar ter de os descrever, e assim sendo, o nariz foi passando à clandestinidade e ao ostracismo literário, enquanto, por exemplo, os lábios, viveram o esplendor pleno e carnudo da poesia e dos beijos.
Se meter o nariz em qualquer biblioteca que se preze verá que o nariz apenas serve para assoar ruidosamente como um trombone, para o meter onde não se é achado nem chamado, ou então para ser brutalmente esmurrado. Nada mais.
Nem sequer tem as possibilidades literárias das orelhas, que se podem mordiscar, lamber, cortar como troféu de rapina ou como desvario de Van Gogh.
Mas o nariz não serve literariamente para nada, a não ser para atrapalhar ou meter berlindes e ervilhas lá dentro.
Até porque a respiração das personagens se faz através do fôlego estilístico dos autores.
Mas o verdadeiro génio literário é o que vence o estigma do nariz. É por isso que Pinóquio e Cyrano de Bergerac são personagens que devolveram o orgulho aos nossos narizes, mas ainda assim pelas suas características grotescas e hiperbólicas.
A dignidade do nariz na literatura apenas foi defendida por Gogol, que lhe deu carta de alforria e emancipação. Deu-lhe vida própria, quando o nariz do funcionário Kovalev se evadiu de seu dono para frequentar os Salões de S. Petersburgo e fazer fulgurante carreira nos negócios públicos. O Teorema de Gogol é um valioso legado para a literatura (: – ) Quando se tem problemas em descrever um nariz, o melhor é dar-lhe vida própria.
Ou então meter um berlinde dos grandes na narina mais à mão.