Dizia que era um jornalista de infantaria. Isso significava que, nos dias de fecho, apesar da sua posição de editor, arregaçava as mangas e escrevia as breves, as notícias; escrevia o jornal inteiro se fosse preciso. O Zé Manel Rodrigues da Silva, falecido há 16 anos, era um soldado talhado para travar a guerra do Jornalismo e da Cultura. Esmerava-se especialmente no seu texto de cinema, a que nunca chamava de crítica, mas gostava de dar a ler e discutir enquanto dava baforadas no seu nervoso cachimbo (mesmo depois da lei o proibir em espaços fechados). Defendia o jornalismo do ‘eu’ e tinha uma escrita coloquial e gaga. Uma escrita gaga, porque… porque de vez em quando fazia uma pausa e repetia uma palavra, para pautar o seu estilo. Uma gaguez retórica, pois.
Quando entrei como estagiário no JL, fui recebido pelo cachimbo do Zé Manel. Disse-me que o JL era a terceira divisão e que me restava esperar que um clube grande me contratasse. Não demorei muito a perceber que era nesta terceira divisão que queria jogar. E, ao longo dos tempos, fui fazendo os possíveis para melhorar o estilo de jogo, aproveitando as ténues margens para abrir o espírito do jornal a novas ideias. Sim, Zé Manel, estou na jogada.
O Zé Manel, o meu mestre, era um soldado da redação. Ele sabia que, por mais patentes superiores que existissem, por mais ilustres que fossem os colaboradores, de Saramago a Eduardo Lourenço, a seiva de um jornal era o seu corpo de jornalistas. E, no caso do JL, a redação sempre foi dedicada e mal paga, extrapolando as suas funções, numa entrega rara e pouco reconhecida. Tudo isto a pretexto de uma luta, uma luta de classes, uma luta por certos valores, uma luta pelo Jornalismo e pela Cultura. É justo referir alguns dos soldados que tornaram o jornal possível ao longo destes anos, como Maria Leonor Nunes, Maria João Martins, Francisca Cunha Rego, Carolina Freitas, o nosso lendário designer gráfico Miguel Eduardo Serrano, o nosso lendário fotógrafo João Ribeiro… Isto além daqueles que por cá continuam: Luís Ricardo Duarte, Mariana Almeida Nogueira, Patrícia Pereira (na paginação)… E eu próprio, que por aqui estou há quase 27 anos.
O JL encontra-se em mais uma das suas encruzilhadas. A empresa que o engloba está num processo de insolvência, temos salários em atraso, o futuro é uma incógnita. A redação tem a consciência de que este é um momento decisivo e por isso continua a trabalhar, mesmo sem receber, na esperança de que se vislumbre um horizonte.
Ninguém quer que as coisas fiquem na mesma. Queremos virar a página em direção ao JL do futuro. Um futuro que não apague a sua memória, mas que se centre mais no devir cultural contemporâneo. Um novo e renovado JL que faça jus à sua história, mas que se projete e se inscreva nas novas vanguardas, na realidade cultural do presente. Assim, continuamos em luta. Oxalá esse futuro se desenhe, nem que seja pelas nossas próprias mãos, para que, com todo o orgulho, possamos responder ao Zé Manel: sim, ainda estamos aqui.