Há uns meses, quando entrei em casa, a Alexa disse-me que tinha chegado uma encomenda da Amazon para ti e eu apressei-me a descer à rua para ver se ainda chega a tempo ao ponto de entrega. Só depois me lembrei que já não morava na Amalie Skrams Allé nem havia um Netto Market a caminho da Biblioteca. Copenhaga era uma miragem gelada e em Lisboa fazia sol.
Pensei em avisar-te ou, pelo menos, em reconfigurar à Alexa, mas a verdade é que não sei bem com se faz e pensei que assim sempre poderia avivar o meu dinamarquês. Não é fácil passar cinco anos a ouvir todos os dias god morgen, e depois de repente ficar limitado a um familiar bom dia. Ouvi dizer que o Sporting tem agora um jogador da Dinamarca, talvez um dia passe por Alvalade para meter conversa. Lembras-te daquela viagem a Malmo em que encontrámos um português do clube local e ele não conseguia acreditar que alguém, tão imaculadamente loiro como tu, falasse português com tal exatidão? Devias configurar a Alexa para te avisar das minhas encomendas em Portugal, sempre servia para praticares o português, deves sentir falta. Imagino, no entanto, que ainda vás aquele boteco brasileiro em frente à estação… Pubs dinamarqueses em Lisboa é que não conheço nenhum.
Digo isto convicta de que não me fazes grande falta. Prescindo mais facilmente de ti do que das coisas em teu redor: o clube de jazz com música ao vivo às sextas-feiras, alguns dos teus amigos, o aquecimento central – é mesmo verdade que em Lisboa passa-se mais frio do que em Copenhaga.
Alexa vai-me falando sobre ti. Sei que voltaste a jogar hóquei na equipa de veteranos, tens visto uma tal Carmen que não a de Bizet, pagaste a tempo a taxa da seguradora e tens uma viagem marcada para a Tailândia…. Isso é que são férias. Sempre confiaste na tecnologia de forma demasiado ingénua, por isso é que fazes tantas compras online.
Desconfiei que a Alexa estivesse configurada também para obedecer a ordens minhas, foi por isso que no outro dia, só pelo gozo, só pela experiência, mandei que ligasse a tua televisão no volume máximo e, segundos, depois, ordenei que a apagasse. Rebolei-me a rir a pensar no susto que te tinha pregado.
Dessa Carmen sei muito pouco. A Alexa não me ajuda. Sempre gostaste de latinas, acho que também foi por isso que andaste comigo e depois me puseste a dançar Bizet. Não sou rancorosa, foi bom enquanto durou. Como te expliquei, só mantenho a Alexa porque não sei como a desconfigurar e aproveito para aprender dinamarquês.
A semana passada, quando cheguei a casa, apercebi-me, por acaso, que tinhas regulado as luzes do quarto para um ambiente quente e puseste a tocar a mesmíssima canção do Chet Baker que usaste na nossa primeira noite. Coincidências. Imaginei que tivesses a passar um bom bocado. Por brincadeira, só mesmo para me meter contigo, dei uma pequena ordem: “Alexa, liga os quatro bicos do fogão!”. Desde aí nunca mais soube nada de ti. Por isso é que agora te escrevo agora, só mesmo para saber como tens passado.